Alda Lima Falcão

Alda Lima Falcão Fotografia acervo Fiocruz Minas / IRR

 

A pesquisadora Alda Lima Falcão foi homenageada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no projeto Pioneiras da Ciência no Brasil. Nada mais justo do que alçar essa cientista, falecida em agosto de 2019, ao rol das mulheres que marcaram a construção da ciência no país, campo que até poucas décadas atrás era bastante restrito aos homens, pelo menos do ponto de vista da institucionalização, do reconhecimento e da visibilidade.

A trajetória de Alda Falcão se torna ainda mais interessante pelo fato dela ter nascido no ano de 1925, em Aracati, Ceará, localidade afastada dos grandes centros de pesquisa daquela época. Sua formação original era em contabilidade, mas uma circunstância histórica marcou sua iniciação na pesquisa. Em 1939 a sua cidade natal sofreu com um surto de malária, e o Serviço de Malária do Nordeste, com o apoio da Fundação Rockefeller, designou profissionais para montar um laboratório e combater a doença na região. Dentre esses pesquisadores encontrava-se Maria José von Paumgartten Deane, médica, especialista em parasitologia, que treinou Alda Falcão, então com 14 anos de idade. Ela estabeleceu uma ligação especial com Maria Deane, “de quem recebeu as primeiras lições sobre o mundo dos insetos vetores. Com ela aprendeu rapidamente a dissecar, identificar, fixar e armazenar exemplares do Anopheles gambiae, espécie vetora da malária que entrara no Brasil naquela época. Trabalhava também com espécies nativas como o Anopheles darlingi, o A. aquasalis e o A. albitarsis”.[1]

Com o surto local debelado, ela foi contratada como entomologista pelo Serviço Nacional de Malária, mudando-se para Fortaleza. Em meados do século XX, o Serviço Nacional de Malária sofreu uma modificação no seu regimento, via decreto federal, incorporando a suas atribuições “organizar e realizar, em todo país, os planos de combate à esquistossomose, à doença de Chagas, à filariose e ao escorpionismo”.[2] Com essa ampliação, Alda Falcão foi transferida para a Circunscrição de Minas Gerais do órgão, em Belo Horizonte, no ano de 1952, juntamente com seu marido, Alberto Falcão, também entomologista, com quem trabalhou por muitas décadas. As instalações da entomologia funcionavam na Fundação Ezequiel Dias.[3] Logo ela passou a colaborar com o professor Amilcar Vianna Martins, na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, e na Faculdade de Farmácia e Odontologia, em projetos sobre esquistossomose. Com a transferência do Instituto de Malariologia do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, em 1955, sob a direção de René Rachou, Alda Lima Falcão começou a trabalhar no local, logo reorganizado como Centro de Pesquisas de Belo Horizonte, pertencente ao Instituto Nacional de Endemias Rurais. No Centro ela aprofundou seu fascínio pelos flebótomos, que dominaria as suas pesquisas ao longo de décadas. No ano de 1958 a pesquisadora realizou o Curso de Especialização em Entomologia Médica, na Faculdade de Higiene e Saúde Pública, Universidade de São Paulo, USP.[4]

Em outra fase da carreira, Alda Lima Falcão retomou a parceria de trabalho com o cientista Amilcar Martins, na captura, descrição e identificação de exemplares de flebotomíneos, dando origem à Coleção de Flebotomíneos (COLFLEB), depositada no Instituto René Rachou, da qual ela foi curadora. As primeiras pesquisas de campo ocorreram em local chamado “Caixa de Areia”, Ferrobel, atual Parque das Mangabeiras[5]; hoje essa coleção conta com cerca de 85.000 exemplares, originários de várias partes do mundo. Em entrevista, a pesquisadora assinalou o marco em sua carreira, “Um fato peculiar que gerou toda uma vida de dedicação foi ter tido a confirmação pelo Doutor Mauro Pereira Barretto de uma espécie nova de flebótomo – Lutzomyia renei. Mais tarde, devido a este acontecimento, o professor Amílcar Vianna Martins concordou em iniciar os estudos dos flebotomíneos proporcionando-me imensa alegria”.[6]

Alda Falcão manteve parcerias científicas com entomologistas estrangeiros, como o norte-americano Dr. Fairchild, o Dr. Saul Adler, da Universidade Hebraica de Jerusalém, etc,[7] e de vários outros, participando do grupo de pesquisa Computer Aided Identification of Phlebotomine sandflies of Americas (Cipa). No Instituto René Rachou, a pesquisadora foi chefe do Laboratório de Leishmaniose, entre os anos de 1976 e 1994. Além das investigações científicas, desenvolveu um importante trabalho de treinamento para profissionais da saúde, culminando na criação do Ambulatório de Leishmaniose, hoje chamado Ambulatório Alda Lima Falcão, que é um centro de referência no tratamento e diagnóstico dessa doença. Dentre as suas muitas atividades científicas, “descreveu um gênero, um subgênero e 41 espécies de flebotomíneos. Em sua homenagem foram descritas três espécies de flebotomíneos: Lutzomyia aldafalcaoaeLutzomyia limafalcaoae e Lutzomyia falcaorum”.[8]

Com a carreira consolidada vieram o reconhecimento pela sua trajetória e as homenagens. No ano de 1991 recebeu a Medalha Meio Século de Contribuição a Ciência, da Fiocruz. Aposentou-se no Instituto René Rachou em 1994, mas continuou trabalhando; no ano de 1997 a instituição conferiu-lhe a Honra ao Mérito. Em 2005 a Fundação Oswaldo Cruz concedeu-lhe o título de Pesquisadora Honorária, e logo depois, no ano de 2007, a Fundação agraciou-a com o título de Pesquisadora Emérita. A sua atuação como orientadora no Programa Vocação Científica (Provoc), rendeu-lhe distinção da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz.[9] Foi também a grande homenageada do encontro em Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas e Leishmanioses, ocorrido em Uberaba, em 2008, com destaque para o tributo prestado pelos seus mais de 180 ex-alunos.[10]

Alda Lima Falcão sempre teve a exata compreensão da importância do Instituto René Rachou. Segundo ela, o local “tem se destacado ao longo dos anos como um instituto altamente produtivo e  tem dado importantes contribuições no cenário da saúde, não só em Minas Gerais, mas com impacto nacional e internacional. São inúmeros pesquisadores e estudantes de graduação e pós-graduação que desenvolvem pesquisas sobre várias doenças de interesse para a saúde pública […]. Os projetos são direcionados tanto para as áreas básicas da pesquisa passando pelo desenvolvimento tecnológico (desenvolvimento de testes diagnósticos mais específicos e baratos) até o atendimento feito pelos serviços de referência. […] Falar da Fiocruz é lembrar de uma vida de conquistas profissionais e pessoais. Aqui foi possível descobrir minha paixão pela ciência, especialmente pelos flebótomos, contribuir para a formação de profissionais capazes e dedicados e criar vínculos com pessoas de alto nível cultural, dando início a grandes e duradouras amizades”.[11]

A sua carreira foi marcada pelas muitas parcerias frutíferas, com pesquisadores renomados, mas também pela autonomia intelectual. No ano de 1990, o Jornal do Brasil publicou uma notícia intitulada Código separa casal de cientistas. Marido e mulher não podem mais pesquisar juntos. A matéria narrava como uma normativa federal, publicada na época, proibia que funcionários públicos com relação de parentesco trabalhassem no mesmo setor. Como consequência foi necessário separar o “casal de entomologistas Alda Lima Falcão e Alberto Rocha Falcão, que há 36 anos trabalham juntos no Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz”. Segundo a reportagem, “O casal aceitou a decisão com naturalidade”.[12] O ponto interessante é que Alda Lima Falcão permaneceu na chefia do Laboratório de Leishmaniose. Assim, desde os tempos de menina, em Aracati, iniciada na pesquisa por uma mulher – Maria Deane –, Alda Falcão galgou posições por direito próprio, construindo uma carreira independente e bem-sucedida.

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Historiadora: Dr.ª Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

 

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em História

 

 

[1] CNPq. Pioneiras da Ciência no Brasil. Alda Lima Falcão. Disponível em: <http://www.cnpq.br/web/guest/pioneiras-da-ciencia-do-brasil7/>.

[2] Decreto n. 31. 469, de 17 de set. 1952, art. 1º. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-31469-17-setembro-1952-322456-publicacaooriginal-1-pe.html>.

[3] FIOCRUZ. Alda Lima Falcão recebe título de pesquisador emérito da Fiocruz. Disponível em: <https://agencia.fiocruz.br/alda-lima-falc%C3%A3o-recebe-t%C3%ADtulo-de-pesquisador-em%C3%A9rito-da-fiocruz>.

[4] COGEPE. Fiocruz. O que há de mais importante na Fiocruz. Alda Lima Falcão. Entrevista, 2007. Disponível em: <http://www.cogepe.fiocruz.br/index.cfm?i=rh_na_fiocruz&p=noticias&inc=entrevista&id=29>.

[5] ANDRADE FILHO, José Dilermando; SHIMABUKURO, Paloma Helena Fernandes. Fiocruz. Coleção de Flebotomínios. Histórico. Disponível em: < http://colfleb.fiocruz.br/index?history>.

[6] COGEPE. Fiocruz. O que há de mais importante na Fiocruz. Alda Lima Falcão. Entrevista, 2007. Ibidem.

[7] SHALL, Virginia. Homenageada: Alda Lima Falcão. In: Anais da 24ª reunião de pesquisa aplicada em doença de Chagas e 12º reunião de pesquisa aplicada em Leishmanioses. 23 a 25 de out. de 2008, Uberaba/MG, p. 10-11. Disponível em: < https://docplayer.com.br/7258635-Indice-mensagem-da-coordenadora-5-presidente-de-honra-7-homenageada-10-comissoes-13-programacao-temas-livres-doenca-de-chagas.html>.

[8] FIOCRUZ. Alda Lima Falcão recebe título de pesquisador emérito da Fiocruz. Ibidem.

[9] CNPq. Pioneiras da Ciência no Brasil. Alda Lima Falcão. Ibidem.

[10] EX-ALUNOS da Profa. Alda Lima Falcão (Impresso). Homenagem da 24ª reunião de pesquisa aplicada em doença de Chagas e 12º reunião de pesquisa aplicada em Leishmanioses, 2008, Uberaba/MG.

[11] COGEPE. Fiocruz. O que há de mais importante na Fiocruz. Alda Lima Falcão. Entrevista, 2007. Ibidem.

[12] CÂNDIDO, Carlos. Código separa casal de cientistas. Marido e mulher não podem mais pesquisar juntos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 abril 1990, p. 4.