Dengue

Aedes_aegypti

A doença / Agente causador

A dengue é uma doença infecciosa febril aguda causada por um vírus pertence à família Flaviviridae, do gênero Flavivírus. O vírus da dengue apresenta quatro sorotipos, em geral, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Esses também são classificados como arbovírus, ou seja, são normalmente transmitidos por mosquitos. No Brasil, os vírus da dengue são transmitidos pela fêmea do mosquito Aedes aegypti (quando também infectada pelos vírus) e podem causar tanto a manifestação clássica da doença quanto a forma considerada hemorrágica.

Vetor

Igualmente considerada vetor da febre amarela urbana, a fêmea do mosquitoAedes aegypti é a principal transmissora da dengue no Brasil. Em condições de laboratório, o mosquito Aedes albopictus também já se mostrou capaz de transmitir a dengue no Brasil, mas nenhum inseto do tipo foi encontrado naturalmente infectado (algumas hipóteses sugerem que a interação entre este mosquito e os sorotipos de dengue circulantes no Brasil não favorecem a transmissão e, provavelmente por ser um inseto restrito ao ambiente rural, não há registros desse tipo de transmissão no país).

Aedes aegypti tem se caracterizado como um inseto de comportamento estritamente urbano, sendo raro encontrar amostras de seus ovos ou larvas em reservatórios de água nas matas. Devido à presença do vetor no ciclo de transmissão da doença, qualquer epidemia de dengue está diretamente relacionada à concentração da densidade do mosquito, ou seja, quanto mais insetos, maior a probabilidade delas ocorrerem. Por isso, é importante conhecer os hábitos do mosquito, a fim de combatê-lo como forma de prevenção da doença.

Os ovos não são postos diretamente na água limpa, mas milímetros acima de sua superfície, em recipientes tais como latas e garrafas vazias, pneus, calhas, caixas d’água descobertas, pratos de vasos de plantas ou qualquer outro que possa armazenar água de chuva. Quando chove, o nível da água sobe, entra em contato com os ovos e esses eclodem em poucos minutos. Em um período que varia entre cinco e sete dias, a larva passa por quatro fases até dar origem a um novo mosquito. A densidade natural do A. aegypti é maior no verão, pois nessa estação temos maior pluviosidade (mais chuvas), que aumenta a oferta de criadouros onde a fêmea pode deixar seus ovos, e altas temperaturas, que aceleram o desenvolvimento do mosquito entre as fases de ovo-larva-adulto.

As fêmeas do A. aegypti costumam viver dentro das casas em ambientes escuros e baixos (sob mesas, cadeiras, armários etc.), onde podem ser encontradas temperaturas (que variam entre 24 e 28°C) e umidades apropriadas para o mosquito adulto. Alimentam-se da seiva de plantas e picam o homem em busca de sangue para maturar seus ovos. Em média, cada mosquito vive em torno de 30 dias e a fêmea chega a colocar entre 150 e 200 ovos a cada ciclo de oviposição, que compreende 4 a 5 dias. Apesar da cópula com o macho ser realizada, em geral, uma única vez, a fêmea é capaz de realizar inúmeras posturas de ovos no decorrer de sua vida, já que armazena os espermatozoides em suas espermatecas (reservatórios presentes dentro do aparelho reprodutor). Uma vez contaminada com o vírus da dengue, após um período de 8 a 12 dias de incubação, a fêmea torna-se vetor permanente da doença. Calcula-se que haja uma probabilidade entre 30 e 40% de chances de suas crias já nascerem também infectadas.

Estudos demonstram que a melhor oportunidade para enfrentar o A. aegyptise dá na fase aquática (larva e pupa), em especial com a remoção ou vedação dos locais onde a fêmea põe seus ovos. Outra possibilidade de controle diz respeito ao uso de inseticidas. Entretanto, evidências mostram que populações naturais do vetor já se encontram resistentes, mostrando o poder limitado desta estratégia. Como mecanismo de proteção individual, repelentes e inseticidas caseiros podem ser usados seguindo as recomendações da embalagem ou recomendação médica no caso de crianças e pessoas sensíveis. Dentre as formas de prevenção do mosquito, existem alguns mitos de que certas substâncias ajudariam a afugentá-los. Levedo de cerveja e complexo B, por exemplo, não devem ser utilizados, pois, nas dosagens capazes de afastar os mosquitos, podem ser prejudiciais à saúde humana. Vela de andiroba teria eficácia parcial, pois exigiria condições especiais: um ambiente fechado com no máximo 12 metros quadrados. Nesse sentido, a forma mais eficaz de combater o vetor seria a conscientização e o monitoramento constante de focos em domicilio por parte de toda a população. Além disso, com o auxílio de ações governamentais, é necessário um constante monitoramento de terrenos baldios, casas abandonadas e quaisquer outros logradouros que possam servir de possíveis focos para a procriação do mosquito.

Apesar do A. aegypti já ter sido erradicado no Brasil, hoje em dia, considera-se que sua eliminação é praticamente impossível, sobretudo, devido ao crescimento da população, ocupação desordenada do ambiente e à falta de infraestrutura dos grandes centros urbanos. A industrialização também dificulta o enfrentamento desse tipo de inseto, já que os novos produtos descartáveis por ela produzidos (tais como copos e garrafas de plástico) são eliminados de forma incorreta e acabam por transformar-se em possíveis focos para a multiplicação do vetor. No entanto, o máximo controle da presença do mosquito é posto como uma medida necessária e imprescindível para diminuir a intensidade de surtos epidêmicos.

Dengue ao longo da história / Panorama geral da doença no Brasil

Aedes aegypti surgiu na África (provavelmente na região nordeste) e de lá se espalhou para Ásia e Américas, principalmente através do tráfego marítimo. No Brasil, chegou durante o século 18, provavelmente nas embarcações que transportavam escravos (os chamados navios negreiros), já que os ovos do mosquito podem resistir, sem estar em contato com a água, por até um ano. Há referências de epidemias de dengue em 1916, em São Paulo, e em 1923, em Niterói, ambas sem diagnóstico laboratorial. Em 1955, uma grande campanha realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde levou a erradicar o A. aegypti no Brasil e em diversos outros países americanos. No entanto, a campanha não foi chegou até seu final e o mosquito permaneceu presente em várias ilhas do Caribe, Guianas, Suriname, Venezuela e sul dos Estados Unidos, voltando a espalhar-se. Em 1963, foi comprovada circulação dos sorotipos DENV-2 e DENV-3 em vários países. No fim da década de 60, o Brasil novamente contava com a presença do vetor em suas principais metrópoles. Em 1967, Leônidas Deane detectou o A. aegypti na cidade de Belém (provavelmente trazido do Caribe em pneus contrabandeados). Em 1974, o mosquito já infestava Salvador, chegando ao Rio de Janeiro novamente no final da década de 70. Em 1977, o sorotipo DENV-1 foi introduzido nas Américas, inicialmente pela Jamaica.

A partir de 1980, foram notificadas epidemias em diversos países. A primeira epidemia documentada clínica e laboratorialmente ocorreu em 1981-1982, em Boa Vista (Roraima), causada pelos sorotipos DENV-1 e DENV-4. No ano de 1986, com a introdução do sorotipo DENV-1 no Rio de Janeiro, foram registradas epidemias em diversos estados. A introdução dos sorotipos DENV-2 e DENV-3 ocorreu também pelo Rio de Janeiro, em 1990 e 2000 respectivamente. O DENV-3 apresentou rápida dispersão para 24 estados do país no período de 2001-2003. O DENV-4 foi reintroduzido no país em 2010 no estado de Roraima, dali se espalhou para o resto do país.

A doença no Brasil apresenta ciclos endêmicos e epidêmicos, com epidemias explosivas ocorrendo a cada 4 ou 5 anos. Desde a introdução do vírus no país (1981) mais de sete milhões de casos já foram notificados. Nos últimos dez anos, têm-se observado, além do elevado número de casos, o aumento da gravidade da doença e, consequentemente, de hospitalizações. Em 1998, a média de internações era de 4/100.000 habitantes; no período de 2000-2010, essas internações passaram a 49.7/100.000 habitantes. Outro aspecto epidemiológico que vem mudando nos últimos cinco anos é a distribuição dos casos de dengue clássica e dengue hemorrágica por faixa etária, antes predominantemente em adultos e, após 2006-2007, com maior incidência em crianças. As maiores epidemias detectadas até o momento ocorreram nos anos de 1998, 2002, 2008, 2010 e 2011. O ano de 2010 foi o mais crítico: aproximadamente um milhão de casos foram notificados.

Nos últimos anos, os dados continuam alarmantes. Segundo o Ministério da Saúde, até meados de fevereiro de 2013, foram notificados 204.650 casos de dengue no país, sendo 324 desses registros ocorrências graves da doença e 33 o número de óbitos. Em comparação ao mesmo período em 2012, o aumento de casos notificados foi de 190%, com as regiões Centro-Oeste e Sudeste do país liderando as notificações (79% dos casos registrados no país). No entanto, o houve uma redução considerável de 44% nos registros de casos graves e de 20% no número de óbitos. A análise por unidade federada apontou que 84,6% dos casos estiveram concentrados em oito estados: Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso e Espirito Santo.  Em relação à circulação viral, 52,6 % das analises realizadas foram positivas para o DENV-4. No que se refere à infestação Aedes aegypti, um levantamento realizado em 983 cidades revelou que 267 destas estão em situação de risco para dengue e 487 em alerta. Dentre as capitais, Palmas (TO) e Porto Velho (RO) estão em situação de risco; Belém (PA), Manaus (AM), Rio Branco (AC), Aracaju (SE), Fortaleza (CE), Maceió (AL), Recife (PE), Salvador (BA), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Campo Grande (MS) e Goiânia (GO) em alerta. Já Boa Vista (RR), João Pessoa (PB) e Teresina (PI) apresentaram índice satisfatório. Macapá (AP), Rio Branco (AC), Natal (RN), Vitória (ES), São Paulo (SP) e Cuiabá (MT) estão sem informações; Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS) não têm transmissão.

Sintomas / Diagnóstico

A doença pode ser assintomática ou pode evoluir até quadros mais graves, como hemorragia e choque. Na chamada dengue clássica, que deve ser notificada, a primeira manifestação é febre alta (39° a 40°C) e de início abrupto, usualmente seguida de dor de cabeça ou nos olhos, cansaço ou dores musculares e ósseas, falta de apetite, náuseas, tonteiras, vômitos e erupções na pele (semelhantes à rubéola). A doença tem duração de cinco a sete dias (máximo de 10), mas o período de convalescença pode ser acompanhado de grande debilidade física, e prolongar-se por várias semanas.

No que se refere à forma mais grave da enfermidade, conhecida como febre hemorrágica da dengue, os sintomas iniciais são semelhantes, porém há um agravamento do quadro no terceiro ou quarto dia de evolução, com aparecimento de manifestações hemorrágicas e colapso circulatório. Nos casos graves, o choque geralmente ocorre entre o terceiro e o sétimo dia de doença, geralmente precedido por dor abdominal. O choque é decorrente do aumento de permeabilidade vascular, seguida de hemoconcentração e falência circulatória. Alguns pacientes podem ainda apresentar manifestações neurológicas, como convulsões e irritabilidade. Além disso, condições prévias ou associadas como referência de dengue anterior, idosos, hipertensão arterial, diabetes, asma brônquica e outras doenças respiratórias crônicas graves podem constituir fatores capazes de favorecer a evolução com gravidade.

A dengue hemorrágica não tem relação com a baixa imunidade do organismo infectado. Diversos estudos parecem indicar o contrário: as formas mais graves poderiam estar associadas a uma “excessiva” resposta imunológica do organismo ao vírus, causando uma espécie de hipersensibilidade que acarretaria na produção de substâncias responsáveis pelo aumento da permeabilidade vascular. Esse processo leva a perda de líquidos, o que, por sua vez, acarreta a queda da pressão arterial e o choque, principal causa de óbito.

Com relação à imunidade ao vírus, alguns estudos apontam que quando uma pessoa é infectada por um dos quatro sorotipos, torna-se imune a todos os tipos de vírus durante alguns meses e posteriormente mantém-se imune, pelo resto da vida, ao tipo pelo qual foi infectado. Caso volte a ter dengue, dessa vez um dos outros três tipos do vírus que ainda não teria contraído, poderá apresentar ou não uma forma mais grave. A maioria dos casos de dengue hemorrágica ocorrem em pessoas anteriormente infectadas por um dos quatro tipos de vírus. É importante observar a presença dos sinais de alerta (vômitos persistentes, dor abdominal, hipotensão postural, hemorragias e inquietação) e, na presença desses, procurar imediatamente atendimento médico.

Tratamento / Prevenção

Até o momento, não há um remédio eficaz contra o vírus da dengue. No entanto, o tratamento é realizado a base de analgésicos e antitérmicos e pode ser feito no domicílio, com orientação para retorno ao serviço de saúde.  Indica-se hidratação oral com aumento da ingestão de água, sucos, chás, soros caseiros etc. Não devem ser usados medicamentos com ou derivados do ácido acetilsalicílico (AAS) e anti-inflamatórios derivados (como a dipirona), por aumentar o risco de hemorragias. No que se refere à dengue hemorrágica, o tratamento é realizado a partir de internação hospitalar do paciente.

A prevenção da doença pode ser feito de duas formas. Uma pela redução ou controle de infestação pelo mosquito, medida que tem sido promovida e realizada nos últimos anos pelo Ministério da Saúde, que sempre solicita ajuda e conscientização da população. A outra seria a utilização de uma vacina eficaz. No entanto, ainda não está disponível para aplicação em larga escala uma vacina tetravalente, ou seja, a qual deverá imunizar contra os quatro tipos de vírus dengue. Os resultados até então obtidos não permitem definir com certeza quando vacinas estarão disponíveis para a doença, restando como alternativa as medidas de combate aos vetores.

O papel da Fiocruz

A dengue chegou ao Brasil na metade do século 19. Em 1986, o vírus tipo DENV-1 foi isolado pelo Departamento de Virologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), na época, chefiado pelo virologista Hermann Schatzmayr. O mesmo departamento também isolou os tipos DENV-2, DENV-3 e DENV-4, respectivamente, em 1990, 2000 e 2011. No campo da entomologia (parte da ciência que estuda os insetos), a Fiocruz vem desenvolvendo várias linhas de pesquisa sobre a biologia e ecologia de mosquitos vetores de doenças no Brasil. Recentemente, a unidade lançou o projeto vídeoaulas ‘Aedes aegypti’ – Introdução aos aspectos científicos do vetor, pensado para ajudar a população a conhecer um pouco mais sobre o mosquito, a doença e seus impactos. A iniciativa apresenta, de forma simples e objetiva, informações capazes de contribuir também na rotina de diversos públicos, como professores, estudantes e profissionais de comunicação, tornando-os verdadeiros multiplicadores de conhecimento e colaborando para a prevenção da doença. Além disso, pesquisadores do IOC também trouxeram para o país o projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil, uma iniciativa científica pioneira em andamento em cinco países. A nova estratégia de pesquisa para o controle da doença utiliza a bactéria Wolbachia para bloquear a transmissão do vírus da dengue pelo mosquito Aedes aegypti, de forma natural e autossustentável. Atualmente, equipes de Entomologia de Campo e de Engajamento Comunitário atuam em quatro localidades nas cidades do Rio de Janeiro e em Niterói. Os bairros de Vila Valqueire, Urca, Tubiacanga e Jurujuba participam de estudos para a realização de futuros testes de campo, com a soltura de mosquitos com Wolbachia.

A Fiocruz Pernambuco também apresenta linhas de pesquisas referentes ao Aedes aegypti. No final de 2012, um sistema de monitoramento e controle populacional do vetor do vírus da dengue em Fernando de Noronha. Aproximadamente 100 armadilhas (ovitrampas) para captura de ovos do mosquito foram instaladas na localidade, permi­tindo saber os locais de maior população do mosquito, os pe­ríodos do ano de maior infestação pelo vetor e as áreas de maior risco de transmissão da dengue, entre outras informa­ções. A localização de cada uma delas é registrada com um aparelho de GPS.  A unidade regional da Fundação também possui estudos sobre a ação do vírus no organismo humano. Recentemente, a Fiocruz Pernambuco iniciou uma pesquisa exploratória que tem como objetivos saber qual a incidência da dengue nos menores de um ano. As metas são investigar qual o anticorpo (proteína que atua na defesa do organismo) materno é transferido ao bebê com mais frequências (se é o do DENV-1, DENV-2 ou DENV-3), como é a dinâmica dessas proteínas nos bebês, qual a frequência de mães com esses anticorpos e até quantos meses de vida eles permanecem no organismo da criança. A unidade também desenvolve trabalhos referentes a estudos epidemiológicos e possíveis vacinas para a doença.

No que se refere ao atendimento clínico da doença, a partir do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) e do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (IFF), a Fiocruz está também preparada para a atenção clínica necessária aos pacientes com a enfermidade encaminhados pelas secretarias municipais ou estaduais de saúde e por postos de saúde, sobretudo, em casos mais graves.

Texto revisado pelos pesquisadores:
Ana Bispo Rita, pesquisadora do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
Rafael Freitas, pesquisador do Laboratório de Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
Rita Maria Ribeiro Nogueira, pesquisadora do Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

Outras fontes:

Combata a dengue

Portal Saúde

Ministério da Saúde

Organização Mundial da Saúde

Organização Pan-Americana da Saúde