Descoberta da Doença de Chagas – O macaco, o gato e o tatu e o doutor Carlos Chagas

Artigo escrito pelos pesquisadores do Laboratório de Triatomíneos da Fiocruz Minas (Latec/CPqRR):  José Eloy dos Santos Júnior, Christiane Santos Matos e João Carlos Pinto Dias.

O habitat de qualquer parasito corresponde aos seus hospedeiros. O mesmo ocorre com o Trypanosoma cruzi, podendo ser encontrado em diferentes espécies de barbeiros e mamíferos ao longo das Américas.

Carlos Chagas, como ávido seguidor das teorias de Louis Pasteur e Robert Koch sobre a ação dos microrganismos na origem das enfermidades, desde cedo já compreendia a importância dos insetos na transmissão de doenças como malária e febre amarela, bem como o papel dos reservatórios na manutenção das mesmas.

A par de sua luta contra a malária em Lassance, Chagas explorou o homem e a natureza, numa rotina que Oswaldo pedia de seus seguidores. Enviado ao povoado de São Gonçalo das Tabocas, atual Lassance, em Minas Gerais, para a luta contra o paludismo, Carlos Chagas realiza uma das maiores descobertas de sua carreira, uma nova entidade mórbida que denominou “tripanossomíase americana”.

Entretanto, que elementos levaram o cientista para a descoberta de sua maior obra? Quais atores agiram, mesmo que indiretamente, guiando seus passos em direção desta nova enfermidade?

Em Lassance, provavelmente na busca de possíveis reservatórios naturais da malária, Carlos Chagas encontrou no sagüi (Calithrix penicillata), o que poderia ser o primeiro passo em direção a sua descoberta, formas tripomastigotas de um novo tripanossoma, batizado de T. minasense (Chagas, 1908).

No mesmo ano, em visita a Pirapora (MG), seu companheiro de viagem, o médico Belisário Penna, lhe entregou insetos conhecidos popularmente como barbeiros ou chupões (Panstrongylus megistus), os quais se reproduziam aos milhares nas cafuas da região, alimentando-se dos moradores.

Ao analisar estes insetos, Carlos Chagas observou critídias (formas epimastigotas) e cogitou serem estas fases evolutivas de T. minasense observado nos sagüis. Para melhor elucidação do caso, os insetos foram enviados ao Rio de Janeiro, aos cuidados do seu mestre Oswaldo Cruz, onde seria possível realizar infecções experimentais em sagüis livres de qualquer parasitos. Chamado por seu mestre para voltar ao Rio de Janeiro, o cientista observou um tripanossoma diferente daqueles dos sagüis, denominando-o T. cruzi.

Em laboratório, infecções experimentais em coelhos, cobaias e outros mamíferos demonstraram uma forte reação patogênica associada ao parasito, surgindo a dúvida se a nova entidade nosológica poderia também infectar humanos. Chagas, aí, antecipava-se à teoria dos focos naturais, que Pavlowsky brilhantemente viria a enunciar em 1934:

“Em outras palavras, um foco natural de doenças é relacionado a uma paisagem geográfica específica, tais como a taiga com uma certa composição botânica, um quente deserto de areia, uma estepe etc., isto é, uma biogeocoenosis. O homem torna-se vítima de uma doença animal com foco natural somente quando permanece no território destes focos naturais em uma estação do ano definida e é atacado como uma presa por vetores que lhe sugam o sangue”.

Desta maneira, o cientista volta a Lassance, em 1909, e inicia uma série de investigações hematológicas tanto em pacientes enfermos, quanto em animais domésticos. Após inúmeras investigações e prolongados exames, um gato doméstico, residente de uma cafua infestada por barbeiros, demonstrou a presença de T. cruzi, indicando pela primeira vez o ciclo doméstico do parasito.

Esta descoberta culminou no encontro do primeiro caso humano da moléstia batizada posteriormente em sua homenagem, doença de Chagas. Mais tarde, em 1912, Carlos Chagas detecta o parasito em dasipodídeos, popularmente conhecidos como tatus (associados ao barbeiro P. geniculatus), revelando o ciclo silvestre do T. cruzi e caracterizando os diferentes ciclos de transmissão de sua descoberta.

O feito de Chagas abarca toda a concepção atual da tripanossomíase americana, definitivamente entendida como uma enzootia silvestre que paulatinamente também assumiu um caráter de zoonose e de antropozoonose, mediante modificações ambientais, movimentos migratórios e ação antrópica. Tudo à luz de esplendoroso trabalho e das evidências demonstradas por animais preciosos em suas contribuições como o macaco, o gato e o tatu.

Referências
Chagas CJR. 1908. Trypanosoma minasense. Brazil-Médico 48 – ano XXII.

Chagas CRJ. 1909. Nova tripanosomíase humana. Estudos sobre a morphologia e o ciclo evolutivo doSchizotrypanum cruzi n. gen. n. esp., agente da nova entidade mórbida do homem. Mem Inst Oswaldo Cruz 1: 159-218.

Pavlovsky YN s/d. Natural Nidality of Transmissible Diseases. Moscow: Peace Publishers.