Desemprego e redução de investimentos em proteção social e saúde aumentaram taxa de mortalidade, diz estudo

O crescimento do desemprego associado à redução de investimentos públicos em saúde e em programas sociais fez aumentar a taxa de mortalidade entre adultos no Brasil, no período de 2012 a 2017. A constatação é de um estudo realizado pela Fiocruz, Universidade de Londres e Fundação Getúlio Vargas, que avaliou os efeitos da recessão no número de mortes e verificou se os programas de proteção social impactaram de alguma forma.  A pesquisa foi publicada na The Lancet Global Health, uma renomada revista científica da área de saúde.

Para chegar aos resultados, os cientistas se basearam em dados do Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e Sistema de Informações para o Orçamento Público em Saúde (SIOPS). A análise levou em consideração informações referentes a gastos com saúde e proteção social, além do número de mortes, em cada um dos 5565 municípios brasileiros. Considerou ainda as taxas de desemprego estaduais, que é a menor unidade geográfica para a qual existem dados regulares disponíveis para todo o Brasil.

Os resultados mostraram que a taxa média de mortalidade por município aumentou 8% no período analisado, passando de 143 óbitos para cada 100 mil habitantes, em 2012, para 154 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2017. Isso equivale a um total de 31.415 mortes em um universo de 7.069.242 óbitos ocorridos no período. A pesquisa mostrou que a relação entre aumento do desemprego e elevação da mortalidade foi evidenciada nos municípios que destinaram menos recursos para o Bolsa Família e tiveram menores gastos em saúde per capita.

“O estudo aponta para os efeitos de uma combinação entre recessão – que gera redução da atividade econômica e o desemprego – e medidas de austeridade -que é quando o poder público diminui os investimentos em saúde e programas de proteção social. É essa junção de perdas acarretou o aumento da mortalidade”, explica o pesquisador da Fiocruz Minas Rômulo Paes, um dos autores do estudo. Segundo ele, isso acontece porque é quando a pessoa perde o emprego, perde a cobertura do plano de saúde e encontra maior dificuldade de acesso aos serviços públicos e programas sociais. “Dessa forma, os investimentos nessas áreas deveriam ser reforçados, e não reduzidos como ocorreu em diversas cidades”, destaca.

De fato, nos municípios onde houve investimentos em saúde e programas de proteção social, a relação entre mortalidade e desemprego não foi identificada. “Isso reforça a importância de investimentos sociais na formação de uma cadeia de proteção em torno dos indivíduos. Se essa rede de proteção está bem constituída, crescem as chances de menor adoecimento e maior sobrevivência. Essa é uma ideia que vem se consubstanciando na área de saúde, e esse trabalho traz evidências nessa direção”, ressalta o pesquisador Maurício Barreto, do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/ Fiocruz Bahia), que também assina o estudo. Segundo ele, saúde não é só uma questão de serviços de saúde, mas também está ligada a políticas sociais e econômicas. “Ou seja, o que acontece no mundo social e econômico afeta também a saúde”, afirma.

Negros sofrem mais– Ao analisar os dados, os pesquisadores também fizeram uma estratificação da população por idade, sexo e raça, verificando em que grupos populacionais houve maior associação entre desemprego e mortalidade. Os resultados mostraram que homens, entre 30 e 59 anos, estão entres os mais afetados. Entre os subgrupos raciais, os negros e os pardos são os mais atingidos. Já entre os brancos, a relação entre desemprego e mortalidade foi insignificativa.

“O estudo mostrou que os efeitos da redução de investimentos em políticas sociais são maiores em certos grupos sociais que, historicamente, têm menos vantagens dentro da sociedade, como os negros. Ou seja, também em momentos de crise, esses subgrupos sofrem mais”, destaca Barreto.

No que se refere aos agravos, câncer e doenças cardiovasculares estão entre os principais problemas relacionados ao aumento da mortalidade. Para os pesquisadores, as dificuldades para ter acesso aos cuidados com a saúde pode ser uma das explicações.

“No caso do câncer, o diagnóstico tardio pode ser uma das causas do aumento da mortalidade. Já as doenças cardiovasculares, além das dificuldades para se buscar tratamento, estão também associadas ao estresse psicossocial sofrido pelas pessoas em momentos de crise”, avalia Paes.

O aumento de mortes por câncer e doenças cardiovasculares no Brasil vai em direção contrária ao que acontece nos países de alta renda em tempos de crise, quando as taxas de mortalidade por esses males tendem a cair. Segundo os pesquisadores, estudos anteriores mostram que, em países ricos, o desemprego deixa as pessoas com mais tempo livre para praticar atividades físicas e de lazer. Já no Brasil, embora tenham tempo, as pessoas não dispõem de condições financeiras para tanto.

Segundo os pesquisadores, possivelmente, tais descobertas representem também o que ocorre em outros países de baixa e média rendas, especialmente da América Latina, que, assim como o Brasil, tenham relações de trabalho precárias e sistemas públicos menos consolidados, tornando as pessoas mais vulneráveis em momentos de recessão e restrição de investimentos na saúde e em programas sociais.

 

Fonte: Fiocruz Minas e Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/ Fiocruz Bahia)