Judicialização da saúde em debate na Fiocruz Minas

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A judicialização da saúde foi tema de um seminário realizado na tarde da última segunda-feira na Fiocruz Minas. O evento contou com a participação da promotora de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Belo Horizonte, Josely Ramos, e da responsável pelo Núcleo de Atendimento à Judicialização à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Patrícia de Oliveira, que abordaram os diversos aspectos que envolvem a questão . A atividade abriu o 2º semestre letivo da disciplina Avaliação de Tecnologia em Saúde do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do IRR.

“ A proposta desse encontro é discutir os diferentes pontos de vista dessa questão tão complexa, que é a judicialização da saúde. E nada mais apropriado do que fazer isso em uma disciplina que avalia as tecnologias e, principalmente, ouvindo dois importantes  atores envolvidos nesse processo, que é o Executivo e o Ministério Público”, afirmou a coordenadora da disciplina Avaliação de Tecnologia em Saúde, Gláucia Cota, durante a abertura do seminário.

A origem da judicialização foi um dos pontos abordados. Segundo a promotora, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que tornou a saúde um direito universal, fez com que as demandas não atendidas chegassem à esfera do judiciário. Com a disseminação dessa prerrogativa, as solicitações foram aumentando a cada dia.

“ É um fenômeno que vai para uma direção a qual eu tenho muitas críticas, uma vez que o judiciário tem uma visão muito micro a respeito do SUS. Portanto, vemos muitas decisões sendo tomadas sem levar em consideração a evidência científica, que é o mínimo que deveria ser feito”, explicou. “Em Belo Horizonte, a promotoria só ajuíza a ação quando está convencida de que há evidência científica segura”, enfatizou.

De acordo com a promotora, entre 2010 e 2016, Minas Gerais gastou 40 milhões com despesas processuais, sem entrar nessa conta os valores empregados no atendimento da demanda. Segundo ela, boa parte das despesas poderia ser evitada se os gestores disponibilizassem um serviço para atender ao cidadão, cujas demandas não estejam previstas pela lista do Ministério da Saúde.

“Quando Estado e municípios oferecem um lugar para receber a população, não tem o processo de judicialização.  Mas a realidade hoje é que é oferecido somente aquilo que está incorporado pelo Ministério da Saúde. Para ter acesso ao que não está na lista, o cidadão entre na justiça”, afirma.

Outro ponto abordado pela promotora é a questão das competências. Segundo ela, por causa do desconhecimento geral por parte dos cidadãos, advogados e juízes das competências sanitárias definidas pelo SUS, muitas vezes, as ações são movidas contra um ente federativo que não é o responsável legal pelo fornecimento daquele medicamento ou insumo. Isso gera uma despesa desnecessária e atrasa o recebimento por parte do paciente.

“É muito complicado para o gestor cumprir o que não é da competência dele. Além disso, há uma série de demandas que chegam às vias judiciais sem necessidade, por já fazerem parte dos serviços listados pelo Ministério. Por que isso acontece? Muitas vezes, porque o profissional da área médica acha mais fácil orientar o paciente a entrar na justiça do que preencher os formulários necessários para solicitação padrão”, explicou.

A ética médica e a relação dos profissionais com a indústria farmacêutica também foi apontado pela promotora como um dos fatores que impactam na judicialização. “Em Belo Horizonte, por falta de evidência científica, a promotoria se posicionou de forma contrária a cerca de 50% das ações relacionadas à oncologia, que estavam amparadas pelo pedido do médico”, contou.

Em Minas Gerais, de 2010 até meados de 2017, foram recebidas 88.791 ações judiciais.  De acordo com a responsável pelo Núcleo de Atendimento à Judicialização à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Patrícia de Oliveira, 90% das demandas que chegam pelas vias judiciais se referem a pedidos de compra de medicamentos.

“A maioria se refere a medicamentos, mas há também solicitações para aquisição de próteses, alimentos específicos, como suplementos, e também de leitos de internação. A cada mês, recebemos cerca de 1300 novas ações. É tanta demanda que o próprio Núcleo foi criado em função desse volume, numa tentativa de agilizar o atendimento ”,  contou.

Apesar do grande número de demandas, segundo Patrícia, a maior parte das ações é cumprida. “Com todos os problemas, podemos dizer que o cidadão está sendo atendido”, afirmou.

Para a promotora, é preciso perseguir a prevenção como meta de forma a evitar o grande número de demandas judiciais. “Gasta-se muito menos com um exame preventivo, por exemplo, do que comprando medicamentos para paciente transplantado”, ressaltou.