Oswaldo de Mello Campos – Pesquisador da filial mineira de Manguinhos

OswaldoMelloCampos

Oswaldo de Mello Campos Imagem: Nossos Mestres. Brasil-Médico, Rio de Janeiro, maio-jun. 1962, p. 161.

 

Oswaldo de Mello Campos nasceu em 1896, na cidade de Abaeté, Minas Gerais. Começou seus estudos superiores na Escola de Minas de Ouro Preto, mas não completou o curso. No ano de 1916 iniciou graduação na Faculdade de Medicina de Minas Gerais. No ano de 1920, ainda como graduando, ingressou na filial do Instituto Oswaldo Cruz, em Minas Gerais.[1] O Instituto, criado em 1907, realizava pesquisas científicas sobre doenças e epidemias, atuando no estado em parceria com órgãos estaduais; em 1922 passou a chamar-se Instituto Ezequiel Dias. Ali, Oswaldo Campos, formado em 1921, passou a trabalhar com pesquisa e medicina experimental, tendo alçado posições até chegar a Chefe de Serviço, e também “encarregado do Departamento de Animais Peçonhentos (cobras e escorpiões)â€.[2]

Em 1922 o jovem médico já era assistente das cadeiras de Anatomia Patológica e de Clínica Médica da Faculdade de Medicina. No mesmo ano tornou-se professor catedrático interino de Patologia Geral. Entre 1922 e 1925 trabalhou na Santa Casa de Misericórdia, chegando a diretor da área de tuberculose. Ainda no ano de 1922 ingressou, por concurso, como professor catedrático da Escola Normal, na cadeira de física e química, tendo depois atuado nas disciplinas de pedagogia e psicologia infantil, biologia e higiene. De 1923 a 1930 integrou o Conselho Superior de Instrução Pública do Estado de Minas Gerais, ajudando a traçar políticas públicas para a educação no estado. Em 1925 estabeleceu-se, por concurso, como livre docente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina. No ano seguinte, também por concurso, tornou-se, na mesma faculdade, professor catedrático de Clínica Médica Propedêutica.[3]

No Instituto Ezequiel Dias, Oswaldo de Mello Campos desenvolveu importantes pesquisas sobre ofídios e escorpiões. O assunto era caro para a filial mineira de Manguinhos, já que em Minas Gerais eram comuns os acidentes com escorpiões. No ano de 1922 ele realizou estágio com Adolfo Lutz, no Instituto Oswaldo Cruz, firmando profícua parceria científica, juntos eles publicaram importantes trabalhos sobre o assunto.[4] Os dois pesquisadores descreveram 5 novas espécies de escorpiões brasileiros, dentre elas o Tityus serrulatus, conhecido como escorpião-amarelo, espécie mais venenosa da América do Sul.[5]

Mas, apesar da brilhante atuação do médico no Instituto Ezequiel Dias, no ano de 1929 ele foi alvo de perseguição governamental em razão de sua atuação política. Naquele momento, com a proximidade da eleição para Presidente da República, o Brasil viveu intensa disputa política. De um lado, Júlio Prestes, candidato da situação. Do outro lado, Getúlio Vargas, da oposição. A campanha mobilizou setores diversificados da sociedade brasileira, elevando a temperatura política.[6] Oswaldo Campos alinhou-se com a candidatura de Vargas.  Em outubro de 1929 o político Veiga Miranda foi a Belo Horizonte proferir conferência em apoio à chapa da situação. Durante o evento parte da plateia o vaiou, Oswaldo Campos estava presente, constando nos jornais que ele teria aparteado o conferencista. O episódio foi considerado ofensivo e serviu como pretexto para perseguições políticas, com a dispensa sumária de servidores públicos, chamada “derrubadaâ€: “O ministro da Justiça demitiu hoje o dr. Oswaldo de Mello Campos, do cargo que exercia no Instituto “Ezequiel Diasâ€, de Bello Horizonteâ€.[7] Vale recordar que, nesse período, o Instituto Ezequiel Dias era filial de Manguinhos, portanto estava sob a jurisdição federal.

Com a demissão do cientista, teve início uma disputa de narrativas nos jornais. De um lado, a imprensa apoiadora do governo atacou o médico, desqualificando-o a partir dos parâmetros morais da época, chamando-o de: “especialista em moléstias de senhoras suspeitas às quais atende num “rendez-vous†retirado da cidade, com placa de gabinete médico, não passa igualmente de um mequetrefe inconscienteâ€.[8] Outros jornais defenderam o pesquisador, publicando matéria intitulada, A Perseguição presidencial, com o seguinte conteúdo: “Entre os atos de prepotência da derrubada do funcionalismo nenhum caracteriza melhor a orientação do governo federal neste momento que o golpe […] contra o ilustre médico e cientista mineiro professor Oswaldo de Mello Campos. […] dispensado das funções de técnico contratado do Instituto Ezequiel Diasâ€.[9] Outra matéria acusava o Ministro da Justiça de interferir no Instituto Oswaldo cruz: “O sr. Vianna do Castello passando por cima do sr. Carlos Chagas, destrói a obra de Oswaldo Cruz – Foi demitido do Instituto Oswaldo Cruz o dr. Oswaldo de Mello Campos, por ser partidário da Aliança Liberalâ€. A reportagem interpelou publicamente Carlos Chagas: “O Instituto Oswaldo Cruz, sempre gozou de grande autonomia no que respeita à escolha do seu pessoal técnico, sendo de estranhar que o sr. Carlos Chagas, Diretor daquele Instituto, herdeiro das responsabilidades do levar a bom termo a obra do Grande Mestre […] tenha concordado com o ato injustoâ€.[10] O fato é que não sabemos como ocorreram os trâmites da demissão, e dificilmente Carlos Chagas teria autoridade para barrar decisão vinda de alta instância governamental.

O afastamento de Oswaldo Campos do Instituto foi provisório. Faltam dados para determinar quando ele foi readmitido. É possível que isso tenha ocorrido após a chamada Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República por meio de um golpe. Em 1931 o médico já constava, novamente, como “auxiliar médico†do “Instituto Ezequiel Dias (Filial do Instituto Oswaldo Cruz)â€.[11] Esse episódio evidencia como a comunidade científica estava sujeita a interferências autoritárias em razão de posições políticas dos pesquisadores.

Mas o acontecimento não impediu a continuidade da carreira de Oswaldo de Mello Campos. No ano de 1930 ele assumiu mais uma função, como diretor clínico do Sanatório Hugo Werneck, permanecendo no cargo até 1935. Entre 1938 e 1940 foi também diretor clínico do Sanatório Minas Gerais. Segundo Pedro Nava, ele foi responsável pela formação, em moldes modernos, de uma geração de médicos, e professores de clínica que atuaram na Faculdade de Medicina.[12] Aposentou-se na universidade em 1966, mas continuou engajado em atividades de ensino, tendo auxiliado na fundação da Faculdade de Medicina de Barbacena, chegando a diretor da Instituição no início da década de 1970.[13] Foi um dos criadores da Academia Mineira de Medicina, e seu primeiro diretor, em 1971.[14]

Oswaldo de Mello Campos faleceu em 1984, tendo construído uma carreira brilhante na docência, pesquisa e em prol da educação pública e privada. Seu trabalho impactou a vida de inúmeras pessoas e marcou a ciência nacional.

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenador: Dr. Roberto Sena Rocha.

Texto de: Dra. Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Historiadora

 

[1] NAVA, Pedro. Nossos Mestres. Oswaldo de Mello Campos. Brasil-Médico, Rio de Janeiro, maio-jun. 1962, p. 161.

[2] Idem, p. 162.

[3] Idem, p. 162.

[4] CAMPOS, Oswaldo e LUTZ, Adolfo. Cinco novos escorpiões brasileiros dos gêneros Tityus e Rhopalurus. A Folha Médica, ano 3, n. 4, 28 fev. 1922, p. 25-26; CAMPOS, Oswaldo e LUTZ, Adolfo. Contribuição ao conhecimento dos escorpiões encontrados no Brasil. Lista de espécies do gênero Tityus C. L. Koch. Sinonímia, distribuição geográfica e chave sistemática das mesmas (Trabalho do Instituto Oswaldo Cruz, Rio e Belo Horizonte). A Folha Médica, ano 3, n. 10, 31 maio 1922, p. 73. In: MAGALHÃES, Octávio De. Ensaios. Belo Horizonte: Ed. Faculdade de Direito de Minas Gerais, 1957, p. 532.

[5] BRASIL. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde. Adolfo Lutz. Disponível em:

< http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/static/galerateen/trilhadopesquisador.htm>.

[6] FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1982.

[7] Demitido porque aparteou o homem do “tempo da pedra lascadaâ€. Diário Nacional. São Paulo, n. 698, 09 out. 1929, p. 1.

[8] As façanhas do moleque Alberto Alvares e a cretinice larvada do Coronel Bueno Brandão. Crítica, Rio de Janeiro, ano I, n. 280, 09 out. 1929, p. 2.

[9] A perseguição presidencial. O Jornal, Rio de Janeiro, ano XI, n. 3.341, 10 out. 1929, p. 1.

[10] O sr. Vianna do Castello passando por cima do sr. Carlos Chagas, destrói a obra de Oswaldo Cruz. A Manhã, Rio de Janeiro, n.1.182, 09 out. 1929, p. 1.

[11] In: Instituto Ezequiel Dias (Filial do Instituto Oswaldo Cruz). Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial, Rio de Janeiro, vol. IV, 1931, p. 192.

[12] NAVA, Pedro. Ibidem, p. 163-164.

[13] Obituário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 143, 29 ago. 1984, p. 12; Vestibular de medicina em Barbacena. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 14.880, 04 maio 1971, p. 13.

[14] Academia Mineira de Medicina. Oswaldo de Mello Campos. Disponível em:

< http://www.acadmedmg.org.br/ocupante/caderia-59-1o-ocupante-oswaldo-de-mello-campos/>.