Roberto Milward de Andrade

 

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Foto: Roberto Milward de Andrade. Acervo da Fiocruz Minas.

 

No Brasil de meados do século XX ainda existia pouca compreensão sobre o conceito de ecologia e sua dimensão como disciplina científica. Nesse período, “a denominada pesquisa ecológica […] era desenvolvida por zoólogos e botânicos sem formação teórica específica em ecologia”.[1]

Roberto Milward de Andrade foi um dos precursores no estudo da ecologia no país. Nascido em Santa Isabel do Rio Preto, Rio de Janeiro, em 1925, graduou-se em Ciências Naturais na atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro.[2] No ano de 1954 foi contratado como entomologista do Instituto de Malariologia, do Serviço Nacional de Malária.[3] Quando o Instituto foi transferido do estado do Rio de Janeiro para Minas Gerais, Milward passou a trabalhar em Belo Horizonte. Já em 1956, quando o Instituto foi renomeado como Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), ligado ao Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), o pesquisador concentrou seus estudos na área da esquistossomose, publicando diversos trabalhos, ao longo de três décadas, sobre: comportamento dos planorbídeos hospedeiros do parasita; estudos ecológicos dos vetores na Lagoa da Pampulha – Belo Horizonte, e em outras partes de Minas Gerais e do Brasil; medidas de controle biológico; experimentos com moluscicidas; pesquisas sobre o ambiente dos criadouros, etc.[4] Parte desses trabalhos foram desenvolvidos em parceria com outros pesquisadores do CPBH (mais tarde renomeado Centro de Pesquisas René Rachou – CPqRR), como o químico Ernest Paulini e o farmacêutico Omar dos Santos Carvalho. Como autoridade da área, Milward integrou, em 1960, Grupo de Trabalho da Campanha contra a Esquistossomose, do Ministério da Saúde, com meta de realização “da carta de distribuição de planorbídeos, com o que se poderão delimitar as áreas potenciais de transmissão”.[5]

Em 1962, a pedido da Organização Pan-Americana da Saúde, Milward foi autorizado pelo Ministério da Saúde a trabalhar na Repartição Sanitária Pan-Americana em El Salvador, como consultor do Programa de Erradicação da Malária,[6] retornando ao Brasil em 1965. Entre 1968 e 1969 realizou especializações em limnologia e ecologia em instituições científicas francesas. No fim da década de 1960, o biólogo passou a atuar como professor na UFMG, no Departamento de Zoologia e Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), da Universidade de Minas Gerais, além de ministrar disciplinas de Parasitologia nas Faculdades de Medicina e Enfermam da universidade.[7] Em 1970 ele foi encarregado, pelo ICB, de implantar um grupo interdepartamental para o estudo da Limnologia e Piscicultura, tendo em vista a preocupação com o “crescente aumento da poluição aquática, provocada pelo crescimento industrial, pela utilização de inseticidas na agricultura”.[8] Entre 1970 e 1971, Milward foi professor na Faculdade de Ciências Médicas “Doutor José Antônio Garcia Coutinho”, da Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), em Pouso Alegre, Minas Gerais.[9]

Atuando tanto na UFMG quanto no CPqRR, Milward foi orientador de mestrado em convênio firmado pelas duas instituições, que tinha por objetivo formar “novos parasitologistas”.[10] Em 1970, o ICB concedeu três bolsas de Iniciação Científica a estudantes que, sob a orientação de Roberto Milward, realizariam “pesquisas ecológicas relacionadas à Pomacea haustrum no Lago da Pampulha e aspectos físico-químicos e planctonológicos de outros dois lagos de barragens próximos de Belo Horizonte. A execução dos trabalhos contará, ainda, com a colaboração do Laboratório de Ecologia do Centro de Pesquisas René Rachou, do INERu”.[11] Milward era o chefe desse laboratório. O Departamento de Zoologia e Parasitologia do ICB e o CPqRR ainda realizaram estudos integrados, com a participação de Milward, sobre a ação conjugada de diferentes métodos de controle da esquistossomose em Baldim, Minas Gerais, e sobre o ciclo-vital do Schistosoma mansoni.[12] Suas pesquisas também envolveram estudo sobre o papel dos roedores silvestres no ciclo do parasito, projeto que se desdobrou em duas dissertações de mestrado, defendidas na década de 1970 pelos seus orientandos, Carlos Maurício de Figueiredo Antunes e Omar dos Santos Carvalho. No âmbito do controle biológico da esquistossomose, Milward orientou a dissertação de Carlos Tito Guimarães.[13]

Paralelamente à sua atuação como pesquisador, Roberto Milward exerceu importantes funções administrativas. Foi o segundo diretor do CPBH, de 1957 a 1959, tendo assumido outro mandato, no então CPqRR, entre 1972 e 1974. No anos 1983-1984, foi vice-presidente do Centro de Estudos da Escola Nacional de Saúde Pública-FIOCRUZ.[14] Além disso, exerceu cargo de diretor da Sociedade de Biologia de Minas Gerais.[15] Milward permaneceu no CPqRR até 1981, quando voltou para o Rio de Janeiro, trabalhando em Manguinhos, e em seguida passou a atuar como consultor sobre impactos ambientais para o setor privado e projetos de construção de hidrelétricas.[16]

Em 1972, seu nome foi atribuído a uma nova espécie de culicíneo, culex milwardi: “A denominação específica é dada em homenagem ao Dr. Roberto Milward de Andrade, pesquisador do Centro de Pesquisas “René Rachou” (INERu-FIOCRUZ) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, que tem contribuído para o conhecimento ecológico da fauna de insetos no Brasil”.[17] Sua carreira científica foi pautada pela preocupação com o meio ambiente, tendo afirmado em entrevista a jornal: “a Ecologia é a ciência da moda, e a palavra, já tão vulgar e corrente nos veículos de comunicação coletiva, ainda não se transformou em um fator de preservação das leis naturais”, denunciando como os inseticidas dizimavam “organismo aquáticos”, e o crime da “devastação das matas”.[18] Roberto Milward de Andrade faleceu em 2011, deixando um importante legado para as ciências ecológicas do Brasil, e para a compreensão dos fatores ambientais na incidência de doenças endêmicas.

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenador: Dr. Roberto Sena Rocha.

Texto: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em História

 

[1] MARTINS, R. P.; LIMA, C. A.. O desenvolvimento da ecologia no Brasil. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 1, 2000, p. 84.

[2] CARVALHO, Omar dos Santos. Apontamentos biográficos de Roberto Milward de Andrade, colhidos com familiares e acrescido com informações de Omar Carvalho. Documento interno Fiocruz Minas.

[3] BRASIL. Diário Oficial, seção I, 18 ago. 1954, p. 14.348.

[4] PAULINI, E.. Nota sobre a composição elementar de Australorbis glabratus (Say, 1818) coletados em Neves e Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 9, 1957, p. 559-565; MILWARD DE ANDRADE, R.. O problema da esquistossomose no Lago artificial da Pampulha, Belo Horizonte, MG, Brasil. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 11, 1959, p. 653-674; MILWARD DE ANDRADE, R..; MILWARD DE ANDRADE, R.. Estudo ecológico do Australorbis glabratus no lago artificial de Santa Lúcia, Belo Horizonte, MG (Brasil). Desparecimento espontâneo da população de caramujos. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 14, 1962, p. 29-62; MILWARD DE ANDRADE, R.. Controle biológico da esquistossomose mansoni. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 6, 1972, p. 421. In: FIOCRUZ. CPqRR. Centro de Pesquisas René Rachou. Comemoração dos 25 anos de existência. CPqRR: Belo Horizonte, 1980, p. 46-49.

[5] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Campanha contra a Esquistossomose. In: Combate a Endemias Rurais no Brasil. (Relatórios dos Grupos de Trabalho reunidos em 1960 na cidade do Rio de Janeiro). Departamento Nacional de Endemias Rurais, DNERu. Guanabara, 1962, p. 79, p. 81.

[6] BRASIL. Diário Oficial, seção I, 28 set. 1962, p. 10.153.

[7] CARVALHO, Omar dos Santos. Apontamentos biográficos […]. Ibidem.

[8] UFMG. ICB. Boletim Informativo do Instituto de Ciências Biológicas, Belo Horizonte, ano II, abr. 1970, n. 8, p. 2.

[9] CARVALHO, Omar dos Santos. Apontamentos biográficos […]. Ibidem.

[10] UFMG. ICB. Boletim Informativo do Instituto de Ciências Biológicas, Belo Horizonte, ano II, jun. 1970, n. 10, p. 2.

[11] Idem.

[12] UFMG. ICB. Boletim Informativo do Instituto de Ciências Biológicas, Belo Horizonte, ano II, dez. 1970, n. 15, p. 8.

[13] Os títulos das dissertações, respectivamente: Nectomys Squamipes Squamipes Brants, 1827 na Epidemiologia da Esquistossomose Mansoni. Departamento de Parasitologia, ICB. Belo Horizonte, UFMG, 1971; Roedores Silvestres na Epidemiologia da Esquistossomose Mansoni no Lago da Pampulha, Belo Horizonte – MG, com especial referência ao Holochilus Braziliensis (rodentia, Cricetidae). Departamento de Parasitologia, ICB. Belo Horizonte, UFMG, 1974; Observações Bio-ecológicas sobre Pomacea Haustrum (reeve, 1856). Sua utilização no controle biológico da esquistossomose mansoni. Departamento de Parasitologia, ICB. Belo Horizonte, UFMG, 1975. In: ICB. Programa de pós-graduação em parasitologia. Disponível em: <http://www.parasitologia.icb.ufmg.br/diss_defesas_listagem.php>.

[14] Escola Nacional de Saúde Pública. Revista Ciência e Cultura, vol. 35, n. 11, nov. 1983, p. 1766.

[15] Revista Ciência e Cultura, vol. 26, n. 6, jun. 1974, p. 605.

[16] CARVALHO, Omar dos Santos. Apontamentos biográficos […]. Ibidem.

[17] Revista Ciência e Cultura, vol. 24, n. 6, jun. 1972, p. 351.

[18] Poluição da água ameaça os mineiros. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 307, 05 abr. 1971, p. 38.