Salvar vidas ou a economia é falso dilema

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O rápido crescimento da pandemia de Covid-19, com suas dramáticas consequências, tem levado muitos a afirmar que nos encontramos em um estado de guerra. E, como em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.

Entre os grupos de insatisfeitos com o isolamento social em curso, tem circulado o artigo Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality, que publicamos em 2019, na revista Lancet Global Health. O artigo tem sido usado para sustentar o argumento de que um isolamento social extenso e prolongado erodiria a economia, produzindo o aumento da mortalidade dos mais vulneráveis. Trata-se de uma interpretação absolutamente invertida sobre as conclusões do artigo. O que afirmamos junto com os outros autores do artigo foi: “A recessão no Brasil contribuiu para o crescimento da mortalidade. Contudo, o investimento em saúde e proteção social tendem a mitigar os efeitos deletérios, especialmente sobre as populações mais vulneráveis. Esta evidência reforça a necessidade de mais fortes sistemas de saúde e de proteção social”. O texto destaca, sobretudo, os efeitos positivos dos programas Bolsa Família e Saúde da Família na mitigação dos efeitos da recessão econômica sobre a saúde da população adulta no Brasil. Em estudos anteriores, os autores já haviam chegado a conclusões semelhantes para menores de 5 anos.

Até ontem à tarde, ocorreram mais de 521 mil casos confirmados no mundo (2,6 mil no Brasil) e de 24 mil mortes (63 no Brasil). A experiência de outros países tem mostrado que somente medidas integradas e abrangentes terão efetividade no enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Aumento da distância social é parte de um conjunto mais amplo de iniciativas que visam à prevenção da disseminação da doença na comunidade. Também fazem parte: informação e comunicação, medidas de desinfecção, restrição de viagens e detecção dos casos. Em todo o mundo, em graus diferenciados de intensidade e coordenação, 175 países buscam realizar estas medidas.

Mais difícil é a provisão de serviços de saúde adequado para os casos mais graves, aproximadamente 20%, sendo que 5% demandam cuidados intensivos. Todos sabemos que o Brasil ainda está longe de chegar aos níveis adequados de investimento, coordenação e oferta para se nivelar aos países que melhor estão enfrentando a pandemia.

Medidas econômicas têm sido implementadas para mitigar os efeitos perversos sobre as empresas, o orçamento público e a situação das famílias. A preservação dos empregos e o fortalecimento da proteção social têm se mostrado mais efetivos para a crise que todos ainda estamos atravessando. O curioso é que na economia, novamente, é utilizada o termo medidas de guerra para o enfrentamento da crise. Então, para os que, como nós, nesta guerra não estão preocupados com a conquista de territórios e de poder, o mais importante é salvar vidas. Nosso artigo de 2019 apontou alguns bons caminhos para isso.

*Artigo assinado por: Rômulo Paes-Sousa e Mauricio L Barreto , pesquisadores da Fiocruz,  e Rudi Rocha, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas

O texto foi originalmente publicado no jornal O Globo

Veja também:

Entrevista concedida ao jornal GGN

Entrevista concedida ao jornal Estado de Minas

Reportagem da BBC