Seminário na Fiocruz Minas discute os impactos da mineração no âmbito da violência

Discutir as diversas formas de violência geradas pela atividade mineradora foi o objetivo do seminário Desastres Ambientais e Violências, realizado na Fiocruz Minas, na última segunda-feira (21/10). Promovido pelo Programa Institucional de Articulação Intersetorial em Violência e Saúde da Fiocruz, o evento reuniu pesquisadores, representantes de organizações sociais, de entidades de classe e de projetos culturais, que falaram a uma plateia composta por pessoas de diferentes áreas de atuação.

Durante a abertura do seminário, a diretora da Fiocruz Minas, Zélia Profeta, falou sobre a importância do debate. “Trazer essa discussão sobre os desastres, e especialmente sobre o que ocorreu em Brumadinho, é bastante doloroso, mas, por outro lado, é uma reflexão extremamente importante e necessária, pois nos ajuda a pensar sobre os nossos processos”, afirmou.

A coordenadora do Programa Institucional de Articulação Intersetorial em Violência e Saúde da Fiocruz, Simone Assis, destacou a necessidade de descortinar e discutir a violência que ocorre em diversas esferas do cotidiano, possibilitando transformar a realidade. “Discutir o que ocorreu em Brumadinho e Mariana nos ajuda a pensar de que forma a gente pode contribuir para enfrentar essa violência, que é estrutural, cultural e institucional”, ressaltou.

Mediadora dos debates da parte da manhã, a pesquisadora do IRR Paula Dias Bevilacqua, que atuou na organização do evento, apresentou a dinâmica do seminário. “Serão dois painéis, um com foco no modelo de desenvolvimento econômico, e outro dando ênfase nas consequências dos desastres no cotidiano das pessoas. Ambos dando destaque para as violências geradas e como enfrentá-las”, explicou.

Desenvolvimento- Abrindo as apresentações, a pesquisadora Edinilsa Ramos, do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde (Ensp/ Fiocruz), tratou sobre a violência e o modelo de desenvolvimento econômico no Brasil, destacando que os principais desastres ocorridos no país têm relação com empreendimentos que, ao se instalarem nas cidades, trazem a promessa de desenvolvimento econômico. A pesquisadora elencou uma série de problemas gerada por esses megaprojetos e ressaltou que quanto mais vulnerável o território maior e mais intensa é a violência.

“O antídoto para isso é a nossa capacidade de incluir, ampliar e universalizar direitos. A violência tem solução. Ela pode aumentar ou diminuir por meio da força da construção social. É preciso se fazer cumprir princípios básicos de nossa Constituição, garantindo a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, afirmou.

O pesquisador Sérgio Portella, assessor da Presidência da Fiocruz, falou sobre os processos de vulnerabilidade e desigualdades sociais. Segundo ele, é necessário entender a situação em que estamos para modificar as condições de desigualdades que vêm se perpetuando.

“A desigualdade é uma forma de relação social produzida e reproduzida sistemicamente, incluindo o desenho e a implementação de políticas baseadas na naturalização das desigualdades”, destacou. Ele afirmou ainda que a mineração se sustenta em uma política de desigualdades que captura a democracia, promove um neoextrativismo violento e provoca desastres sistêmicos, que, quando acontecem, são rapidamente absorvidos pelo sistema.

A coordenadora do SempreViva Organização Feminista (SOF), Miriam Nobre, apresentou os conceitos da economia feminista: sustentabilidade da vida, interdependência e ecodependência, e capital x vida. Ao explicar cada um deles, ela destacou a importância da economia realizada pelas mulheres para garantir a sustentabilidade da vida e ressaltou que é preciso questionar a forma como o sistema está colocado.

“O mercado foi se colocando de forma autorregulada, foi se organizando somente de acordo com as suas necessidades, sem pensar nos interesses da sociedade. Isso fica claro quando, conforme já foi dito aqui hoje, o que fez a Vale aumentar a produção não foi uma necessidade real, mas uma necessidade de dar respostas a acionistas. É preciso, portanto, demonstrar que, no mercado, as decisões são políticas”, afirmou.

A coordenadora estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, Juliana Deprá Stelzer, chamou atenção para o fato de que, após os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, a Vale ganhou ainda mais poder sobre os territórios. Segundo ela, em regiões voltadas para a mineração, há placas com indicação de perigo por todos os lados, um tipo de violência já naturalizado.

“Devemos lembrar também que a barragem é apenas uma questão dentro do contexto da mineração. Há ainda uma série de outros aspectos que precisam ser considerados, como o aumento da violência sexual em regiões mineradoras, o racismo ambiental, uma vez que a maior parte das pessoas atingidas por desastres é negra, além de outros pontos. É urgente transformar todas essas questões em um grande debate nacional”, enfatizou.

Trabalhadores em perigo- A violência no ambiente de trabalho da mineração foi o tema da apresentação da coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador e Trabalhadora de Minas Gerais, Marta de Freitas. Segundo ela, pessoas que trabalham em mineradoras têm três vezes mais risco de morrer do que aquelas que atuam em qualquer outra atividade. Marta lembrou ainda que, em situações de desastres, é esse trabalhador da mineração que, em um primeiro momento, faz o trabalho de salvamento.

“Entretanto, ninguém fala sobre isso. Geralmente, quando se fala do trabalhador, é sempre para lhe atribuir alguma responsabilidade pelo ocorrido. Além disso, esse trabalhador da mineração também é um atingido, mas acaba sendo uma vítima invisibilizada”, destacou. A coordenadora também salientou que é preciso mudar a ideia de que as mineradoras são grandes geradoras de emprego, uma vez que oferecem apenas 1% dos postos de trabalho do país.

A psicóloga Mariana Tavares, representante do Conselho Regional de Psicologia, abordou a questão do suicídio no contexto dos crimes ambientais, ressaltando que é preciso ter calma e cuidado para lidar com alguns dados que dizem pouco sobre a situação de Brumadinho, uma vez que ainda é cedo para fazer avaliações sobre aumento de casos. A psicóloga também fez uma série de reflexões, conduzindo para um pensamento crítico acerca do tema.

“O suicídio não é consequência de uma enfermidade, como é a febre. O suicídio é resultado de múltiplas violências. É signo de um sofrimento indizível. É silêncio em ato”, disse. “É preciso entender que saberes terão de ser convocados para lidar com essa realidade”, avaliou.

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres que moram em áreas onde há atividade de mineração estiveram em pauta, durante a apresentação da representante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) Sandra Vita Santos. Moradora do Morro da Água Quente (em Catas Altas), a 400m da mina do Fazendão, da Vale, ela falou sobre como é ter que lidar com as doenças, a falta de água e a poluição, geradas pela proximidade com a mineradora.

“Somos nós, mulheres, que cuidamos dos nossos filhos, maridos e parentes idosos, quando, por conta da mineração, eles têm problemas respiratórios. Somos nós que temos que ficar o dia inteiro limpando a poeira e a sujeira que a empresa gera. E somos nós que temos que puxar essa luta porque, se deixarmos por conta dos homens, nada acontece”, destacou.

Encerrando as apresentações, o coordenador do projeto A Arte Abraça Brumadinho, Carlos Alberto Araújo Netto, falou sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no município, após o rompimento da barragem, visando registrar, por meio de vídeos, como as famílias que perderam pessoas na tragédia estão lidando com a situação.

“O que se percebe é que há três aspectos sempre muito presentes nas narrativas: o trabalho dos Bombeiros, já que o resgate dos corpos é muito importante para essas pessoas; as relações familiares, por ser a família que dá sustentação nas horas mais difíceis; e também a espiritualidade, que tem possibilitado uma ressignificação do desastre”, contou.

Além dos vídeos, o projeto Abraça Brumadinho tem promovido outras atividades culturais na cidade, considerando que a arte pode servir de alento em momentos difíceis. Um oratório de Natal já está sendo preparado, com apresentação prevista para o dia 14 de dezembro.

Além das apresentações e debates, houve ainda a apresentação coral Batucabrum, formado por um grupo de crianças de Brumadinho, sob coordenação do músico Ângelo Rafael, o Sanrah.