Antoniana Ursine Krettli

Antoniana

Antoniana Ursine Krettli Imagem: Academia Brasileira de Ciências

Antoniana Ursine Krettli afirma, “Eu sou cientista por convicção”.[1] A frase exprime o forte propósito que guiou a carreira dessa cientista brasileira. Mas a declaração também guarda sentidos mais complexos, pois no processo de solidificar uma convicção é preciso superar muitos desafios.

Nascida em 1943, em São Domingos do Araçuaí, hoje município de Virgem da Lapa, Minas Gerais.[2] Formou-se pela Faculdade de Farmácia e Bioquímica da UFMG, em 1965. Trilhou o caminho da pesquisa no campo das doenças tropicais a partir da graduação, na década 1960, momento em que a área era dominada por homens. Quando aluna, demonstrava grande curiosidade acadêmica, “entrava em todos os laboratórios que estavam abertos”,[3] realizando iniciação científica sob a orientação do prof. Zigman Brener, autoridade mundial na área de Doença de Chagas, e pesquisador do hoje Instituto René Rachou (IRR). Por seu intermédio, Antoniana começou a desenvolver investigações sobre malária na Instituição, onde ingressou em 1965.[4] Em 1967 passou em concurso na Faculdade Farmácia da UFMG, atuando na área de Parasitologia e, tendo em vista a criação do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em 1968, que agregou professores de outros departamentos da universidade, seguiu carreira docente no Instituto. Realizou especialização em Parasitologia na UFMG, além de mestrado e doutorado na mesma Instituição.

Entre 1972 e 1974 estagiou no New York University Medical School, nos Estados Unidos, como bolsista da Organização Pan-americana de Saúde, sob a supervisão dos professores Ruth e Victor Nussenzweig, onde acompanhou pesquisas sobre vacina contra a malária e aprofundou seu interesse pela imunologia,[5] dando prosseguimento a estudos sobre a resposta imune da malária e da Doença de Chagas. Suas pesquisas versaram sobre “modelos experimentais na malária de aves, camundongos e macacos”, descrição de “um novo vetor experimental da malária aviária para produção em massa de esporozoítas”. Foi “pioneira no cultivo contínuo do Plasmodium falciparum, agente da terçã maligna humana, usado em testes de antimaláricos a partir de plantas da Amazônia, estimulando vários grupos de químicos do País a fracionar extratos de plantas ativas em busca de um novo antimalárico”.[6]

Na década de 1980 realizou estágios de pós-doutorado no Centro de Imunologia da Universidade de Lausanne, na Suíça, e no Instituto Pasteur, na Franca, como bolsista da Organização Mundial da Saúde. No ano de 1981 tornou-se, por meio de concurso, a primeira mulher Professora Titular do ICB-UFMG.[7] Em 1991 concluiu outro pós-doutorado, na National Institute Of Health, nos Estados Unidos.[8] No Instituto René Rachou, Antoniana Krettli criou, em 1976, o Laboratório de Malária, sendo sua chefe até 2003, onde liderou pesquisas sobre a biologia de parasitas e a quimioterapia experimental antimalária, dentre outras investigações.[9] Em entrevista, discorrendo sobre a situação da pesquisa sobre novos medicamentos para combate à malária, a cientista dizia, “Há um enorme potencial das plantas medicinais brasileiras como fonte de novas moléculas que poderiam se tornar medicamentos antimaláricos”,  mas “Encontrar e testar apenas a planta medicinal não nos basta! […] é preciso trabalhar na produção de medicamentos”.[10]

Sua visão abrangente da pesquisa levou-a, anos mais tarde, a cursar a graduação em medicina pela UFMG, concluída em 1998. De acordo com Antoniana Krettli, “eu queria conhecer melhor o ser humano, o corpo humano, e porque não, a alma humana”.[11] Nessa época, a pesquisadora já era membro da Academia Brasileira de Ciências, e havia presidido a

Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), 1987-1988, sendo a primeira mulher a ocupar tal posição. Professora titular da UFMG, orientou um grande número de alunos, desde a iniciação científica até o doutorado, tanto na universidade quanto no IRR. Antoniana considera que a formação de jovens pesquisadores é essencial, pois o jovem “acredita, tem energia, capacidade de fazer”,[12] e é elementos essencial para o funcionamento dos  laboratórios e o andamento das pesquisas no Brasil.

A cientista foi consultora da Organização Mundial da Saúde e atuou como representante de área junto a órgão de fomento à pesquisa, como a CAPES e o CNPq. Suas publicações científicas são extensas e de impacto internacional. Recebeu diversas honrarias por sua contribuição à ciência, dentre as quais: Medalha Carlos Chagas, do governo de Minas Gerais (1989); Medalha do Centenário do IOC – Um Século de Ciência, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ (2000); Ordem Nacional do Mérito Científico, Grã-Cruz, da Presidência da República (2018); Medalha Women in Science, da SBI (2017).[13] No ano de 2020, levantamento da revista Plos Biology, incluiu a pesquisadora dentre os cientistas mais influentes do mundo.[14] Em seu livro de memórias, Uma Cientista Brasileira, lançado em 2021, a pesquisadora registra seu “orgulho de poder trabalhar em pesquisas na Fiocruz, onde estou há mais de cinco décadas”.[15]

Fato é que, ao elencar dados biográficos de alguém com trajetória profissional tão rica corre-se o risco de escamotear, na simples enumeração de feitos, as dificuldades enfrentadas para a construção de tal carreira. Daí ser importante mencionar os desafios que permeiam o fazer científico. Antoniana Krettli diz, “Sobrevivi a diversos turbilhões de problemas sem me deixar intimidar ou esmorecer”.[16] Um desses desafios foi o de ser mulher em uma profissão dominada por homens, sendo obrigada a desdobrar-se entre o trabalho e as tarefas que, culturalmente, são imputadas às mulheres, como cuidar da casa e dos filhos. Segundo ela, as mulheres enfrentam muita “pressão para serem profissionais competitivas”, sendo levadas a escolher entre a vida familiar e a carreira científica. Antoniana Krettli afirma que, “Eu fiz sempre a opção de colocar a ciência como a primeira coisa da minha vida, mas é uma opção difícil”.[17] Tendo em vista a sua brilhante trajetória profissional, podemos afirmar que tamanha dedicação valeu a pena, e a ciência agradece.

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Texto: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Dra. em História

 

 

[1] KRETTLI, Antoniana U.. Entrevista concedida ao Programa “Movimento 2022: O Brasil que queremos”, realizada pelo prof. Isaac Roitmam. TV SUPREN, 14 dez. 2018. Disponível em:

< https://www.youtube.com/watch?v=-pm0mMp0gPU&feature=emb_logo>.

[2] KRETTLI, Antoniana U.. Uma cientista brasileira. Curitiba: Brazil Publishing, 2021, p. 23.

[3] Idem.

[4] KRETTLI, Antoniana U.. Currículo Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8060514879935984>.

[5] KRETTLI, Antoniana U.. Acadêmica Antoniana Krettli fala sobre Ruth Nussenzweig. In: Academia Brasileira de Ciências. Disponível em: <http://www.abc.org.br/2018/04/11/academica-antoniana-krettli-fala-sobre-ruth-nussenzweig/>; Membros. Antoniana Ursine Krettli. Academia Brasileira de Ciências. Disponível em: < http://www.abc.org.br/membro/antoniana-ursine-krettli/>.

[6] Membros. Antoniana Ursine Krettli. Academia Brasileira de Ciências. Idem.

[7] KRETTLI, Antoniana U.. Uma cientista brasileira. Ibidem, p. 39.

[8] KRETTLI, Antoniana U.. Currículo Lattes. Ibidem.

[9] FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou – A Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fiocruz, 2000, p. 24.

[10] REDE GLOBO. Antoniana Krettli pesquisa novos medicamentos de combate à malária, 06 maio 2013.  Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2013/05/antoniana-krettli-pesquisa-novos-medicamentos-de-combate-malaria.html>.

[11] KRETTLI, Antoniana U.. Entrevista concedida ao Programa “Movimento 2022: O Brasil que queremos”. Ibidem.

[12] KRETTLI, Antoniana U.. Entrevista concedida ao Programa “Movimento 2022: O Brasil que queremos”. Ibidem.

[13] KRETTLI, Antoniana U.. Currículo Lattes. Ibidem; KRETTLI, Antoniana U.. Uma cientista brasileira. Ibidem, p. 185.

[14] IOANNIDIS, John P. A., BOYACK, Kevin W., BAAS, Jeroen. Updated science-wide author databases of standardized citation indicators. PLoS Biol., 18(10), 2020.

[15] KRETTLI, Antoniana U.. Uma cientista brasileira. Ibidem, p. 156.

[16] FIOCRUZ MINAS. Antoniana Ursine Krettli recebe homenagem. Disponível em:

< http://www.cpqrr.fiocruz.br/pg/5766-2/>.

[17] KRETTLI, Antoniana U.. Entrevista concedida ao Programa “Movimento 2022: O Brasil que queremos”. Ibidem.