Grupo do IRR lança livro sobre as políticas de saúde e assistência social para a população em situação de rua de BH durante a pandemia

livro anelise

Como se deu o acesso da população em situação de rua de Belo Horizonte aos serviços de saúde e assistência social durante a pandemia de Covid-19? Quais os obstáculos encontrados por esse público ao buscar atendimento? Quais os desafios enfrentados por gestores e trabalhadores dessas duas áreas para realizarem seus trabalhos? As respostas para essas e outras perguntas estão reunidas no livro Políticas de saúde e assistência social do município de Belo Horizonte para a população em situação de rua no contexto da pandemia da Covid-19, lançado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas de Saúde e Proteção Social (PSPS), da Fiocruz Minas. A publicação é resultado de uma pesquisa, financiada pelo edital Inova – Territórios  Saudáveis e Sustentáveis, realizada entre 2021 e 2023, que analisou o acesso da população em situação de rua às medidas emergenciais adotadas durante a emergência sanitária na capital mineira. O lançamento, realizado na última terça-feira (6), contou com a participação de representantes de instituições e movimentos sociais, que foram parceiros do grupo durante a realização do estudo.

Abrindo as atividades, a professora Anelise Andrade de Souza, subcoordenadora do PSPS e coordenadora do subgrupo POP Rua, destacou que o livro tem por objetivo apresentar as constatações do estudo aos diferentes públicos interessados, por meio de formato e linguagem mais acessíveis do que se costuma usar em um artigo científico. “Este foi um projeto interessante e desafiador porque estamos acostumados com a comunicação científica, voltada para os pares e, neste projeto, nos propusemos a desenvolver estratégias de comunicação para os diferentes públicos, alvos do nosso projeto, sendo eles as pessoas em situação de rua, gestores e trabalhadores da rede de saúde e assistência social do município de BH e população geral. A partir deste estudo, entendemos a necessidade de se pensar em outras formas de apresentar os resultados das pesquisas que desenvolvemos”, afirmou.

O subcoordenador do grupo PSPS e coordenador da pesquisa Inova, Helvécio Magalhães, agradeceu a todos os parceiros do projeto, reforçando a importância de cada um deles para a realização da pesquisa. Ele também destacou o relevante papel da Fiocruz no desenvolvimento de estudos voltados para a avaliação de políticas públicas, e a importância do livro enquanto estratégia de comunicação com a sociedade. “A Fiocruz tem um papel muito próprio no país de pesquisar e produzir conhecimentos sobre as políticas públicas. No projeto que subsidiou a construção do livro, tivemos uma extensa fase de campo, envolvendo usuários, trabalhadores e gestores das duas áreas – saúde e assistência social-, possibilitando uma visão de 360 graus. Tudo foi feito com muito esmero científico, muito pé no chão e com uma preocupação de dar um retorno efetivo para a sociedade. Isso foi possível porque tivemos uma aliança com diferentes órgãos, que continuam atuando juntos e gerando outras iniciativas”, afirmou.

Participando remotamente, a representante do setor de Estratégia da Fiocruz para a Agenda 2030, Bila Gallo, falou sobre o edital Terra 2030, lançado em agosto de 2021, pela Presidência da Fiocruz em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing e com o Fundo de População das Nações Unidas. Gallo destacou que o edital teve por objetivo apoiar projetos e ações de desenvolvimento de cidades sustentáveis, que envolvesse os pilares de educação, redução das desigualdades, saúde e bem-estar, de forma a inspirar a implementação da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “O grupo PSPS concorreu e foi um dos projetos mais bonitos que fomentamos. É um projeto que adota um modelo de pesquisa que precisamos cada vez mais reafirmar, que é um modelo que escute e construa junto a movimentos sociais, povos originários e comunidades tradicionais. Este projeto é um grande exemplo do êxito do edital Terra 2030 e do que procurávamos alcançar com esse edital”, afirmou.

Também acompanhando o evento remotamente, a representante auxiliar do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil, Júnia Quiroga, destacou que o edital Terra 2030 foi uma resposta corajosa dentro do contexto da pandemia de Covid-19, que criou perspectivas para seguir acelerando no cumprimento dos ODS. Quiroga lembrou que o lema da Agenda 2030 é não deixar ninguém para trás, mas, para que isso aconteça, é necessário chegar antes aos que estão em situação de vulnerabilidade, como é o caso da população em situação de rua. “Portanto, o livro aqui lançado é necessário, relevante e muito bem-vindo. O Ministério de Direitos Humanos e Cidadania lançou, em dezembro passado, o Plano Ruas Visíveis e parte desse plano é identificar e caracterizar a população em situação de rua. Este livro é uma contribuição valiosa”, disse.

Representando a Escola Superior de Propaganda e Marketing, que prestou assessoria de comunicação, design e gestão de projetos ao grupo PSPS, o professor Guilherme Costa enviou um vídeo falando sobre a satisfação de contribuir com o estudo. “Foi um grande prazer contribuir e colaborar com esse projeto. As ações realizadas são muito ricas e relevantes; era importante que pudessem perdurar ao longo do tempo. Foi assim que surgiu a ideia de promover uma oficina de grafite, que é uma forma de comunicação popular valiosa. Igualmente importante é o registro dos resultados da pesquisa, por meio deste livro, de forma a disseminar o conhecimento científico não somente para o público acadêmico, mas também para outros públicos”, disse.

O diretor da Fiocruz Minas, Roberto Sena Rocha, agradeceu pela oportunidade de participar do evento e lembrou que o IRR, desde sua origem, atua no combate a endemias, sempre buscando contribuir para a elaboração de políticas públicas. “O IRR surgiu para ajudar no enfrentamento da malária; ao longo de sua trajetória, o instituto tomou outras formas, mas continuou a dar respostas, envolvendo-se em campanhas e no combate a diferentes endemias. No final deste livro, vi que o grupo fez uma série de recomendações, o que considero muito importante, pois é nosso papel dar respostas que possam ajudar as secretarias a formular políticas públicas baseadas em evidências científicas”, ressaltou.

O estudo- A pesquisadora do PSPS Ana Luísa Jorge Martins apresentou a metodologia do estudo, lembrando que, dada a complexidade do tema, a pesquisa adotou métodos quantitativos e qualitativos. Segundo ela, as análises se basearam em dados relacionados à população em situação de rua, disponíveis em bancos de dados governamentais das áreas de saúde e assistência social, além de documentos de gestão relacionados ao enfrentamento da pandemia. Também foram realizadas entrevistas com pessoas em situação de rua, trabalhadores e gestores relacionados aos serviços de saúde e de proteção social, representantes da defensoria pública e da sociedade civil organizada com iniciativas de atendimento a essa população. “A gente entende que uma pesquisa que descreve a realidade requer estar em contato com as pessoas que constroem a realidade. Dessa forma, fizemos 48 entrevistas semiestruturadas e quatro grupos focais, totalizando 86 entrevistados”, contou. Outra estratégia importante, conforme a pesquisadora, foi a instituição de um Comitê de Acompanhamento, composto por representantes de diferentes instâncias, que contribuíram durante o estudo.

A pesquisadora apresentou também as principais constatações do estudo, dentre as quais o perfil da população em situação de rua, o número de atendimentos realizados um ano antes e um ano após o início da pandemia, os principais agravos registrados, as barreiras encontradas pelas pessoas que precisaram de atendimento e as medidas que dificultaram o acesso, bem como as inovações implementadas consideradas exitosas pela população em situação de rua. Os dados apresentados pela pesquisadora estão descritos detalhadamente no E-book e, de forma resumida, em uma matéria publicada neste site.

A pesquisadora do PSPS Ana Carolina Dantas apresentou as estratégias de divulgação dos resultados do estudo. Segundo Dantas, contando com financiamento do edital Terra 2030, as ações de divulgação foram voltadas para três públicos: gestores e trabalhadores de saúde e da assistência social; população em situação de rua e população em geral.  “Para os gestores e trabalhadores, produzimos o livro, também disponível em versão e-book; para a população em situação de rua, foi realizada uma oficina de grafite mediada pelo artista Benet Castro, e uma exposição fotográfica; e para a população em geral, produzimos podcasts que contaram com cinco episódios, disponíveis no Spotify e YouTube”, contou. Estes materiais podem ser acessados pelo https://linktr.ee/gppsps.

Participou do lançamento, compartilhando suas experiências e representando as mulheres com trajetória de vida nas ruas, Thaís Cristiane Nonato, que destacou que o livro conta a história da sua própria sobrevivência. “É um prazer estar com vocês, fazendo parte deste evento que fala sobre a minha sobrevivência lá fora. Quero agradecer e espero que venham muitas coisas boas e melhores”, disse.

A representante da Pastoral de Rua de Belo Horizonte, Claudenice Rodrigues Lopes, lembrou as dificuldades enfrentadas durante a pandemia e destacou que só foi possível superá-las porque houve uma união de forças. “Diante das dificuldades, o que aconteceu foi um milagre, mas que se tornou possível porque construímos juntos muitas coisas. Foi possível porque muita gente se juntou… vários órgãos, acadêmicos, iniciativa privada e movimentos sociais. E a Fiocruz, com esta pesquisa, possibilitou um registro que vai ficar para as próximas gerações. A gente sabe que promover ações intersetoriais é um desafio, mas uma semente foi plantada e teremos ainda muitos resultados para conquistar. Precisamos continuar caminhando juntos e envolvendo todas as pessoas protagonistas no processo”, disse.

O coordenador do Movimento Nacional de Pop Rua, Samuel Rodrigues, lembrou que, quando a pandemia começou e a cidade foi fechada, a ordem era ficar em casa, mas eles não tinham casa. Rodrigues enfatizou que a população em situação de rua sobreviveu àquele período porque uma rede de organizações se formou e trabalhou junto. Ele também relembrou o início do projeto da Fiocruz e disse ter sido atraído por uma roda de conversa. “Eu gosto muito de uma conversa e, quando chegaram chamando para essa roda de conversa, eu fui participar. E lembro que a gente queria ter todas as respostas nesse mesmo dia. Mas me pediram calma, que ia ter mais encontros”, contou.  Rodrigues ressaltou ainda que há muitos desafios a serem enfrentados, pois a população em situação de rua aumenta a cada dia. “É preciso olhar para o aumento do crime organizado junto à população em situação de rua, para as mudanças climáticas, para a necessidade de inclusão digital para o acesso a bens e serviços e, principalmente, para a necessidade de colocar a população em situação de rua na agenda econômica do país”, destacou.

A representante da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania de Belo Horizonte, a Diretora de Políticas para População em Situação de Rua, Migrantes e Refugiados, Alice Brandão, destacou que a experiência da pesquisa trouxe muitas reflexões e mostrou a importância de fortalecer as relações intersetoriais e também com outras instâncias. “Essa pesquisa traz isso: intersetorialidade de maneira estratégica. É um desafio gigantesco promover a intersetorialidade na gestão, mas é preciso avançar nisso. Além disso, as políticas para a população em situação de rua precisam estar no planejamento. O Samuel tem razão: precisa estar no orçamento. É importante olhar para isso como direito e cidadania. Espero que a gente possa avançar graças aos dados produzidos”, disse.

Representando a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, o subsecretário de Atenção à Saúde, André Menezes, reforçou a necessidade de formar equipes intersetoriais e disse que será possível avançar em muitos aspectos porque agora há dados disponíveis. “Pesquisas como essa nos ajudam a pensar. A pandemia foi um momento difícil, e este estudo mostra isso. Foi um momento pesado, mas de muito aprendizado. As recomendações que estão no final do livro vão nos ajudar bastante. E eu reforço nossa disposição de estar junto com a Fiocruz para avançarmos cada vez mais”, enfatizou.

Encerrando os pronunciamentos, a defensora pública, Júnia Carvalho, que participou ativamente do Canto da Rua, iniciativa apontada pela pesquisa como fundamental para garantir assistência à população em situação de rua durante a pandemia, agradeceu pela oportunidade de fazer parte e ressaltou a importância do estudo do grupo PSPS. “Pesquisas como essa nos orientam, dão base para nossas argumentações e fazem nosso discurso ser fundamentado”, disse. Carvalho também relembrou as dificuldades enfrentadas, enfatizando o quanto foi importante unir forças. “Foi um momento complicado, mas nós conseguimos resolver juntos muitas questões. O Canto da Rua foi um espaço de acolhimento, que nos deu a oportunidade de discutir juntos. Toda construção coletiva é difícil, exige muito, mas é muito mais consistente. Dá trabalho, mas o que se constrói é muito mais consistente”, destacou.

Ao final dos pronunciamentos, a plateia pode fazer perguntas para os convidados. Em seguida, um café cultural, produzido pelo coletivo Sabor do Canto, encerrou o evento. Os livros foram entregues em ecobags produzidas pelo coletivo Estampa Rua. Ambos são grupos de economia solidária constituídos por pessoas com trajetória de vida nas ruas.