José Pedro Pereira

José Pedro Pereira. Fotografia do acervo da Fiocruz Minas.

A Escola de Farmácia de Ouro Preto, Minas Gerais, foi criada em 1839, “Primeiro estabelecimento de ensino superior oficial da província mineira, foi a mais antiga escola de farmácia do Brasil e da América do Sul, como unidade individualizada, desvinculada do curso de medicina”.[1] Por essa razão atraiu alunos de todo o Brasil, como o paulista Mário Pinotti, formado pela Escola em 1914.[2] Não por acaso, e segundo depoimento do pesquisador Ernest Paulini, quando Pinotti chefiava o Serviço Nacional de Malária, ele teria contratado “toda a turma de recém-diplomados da Escola de Farmácia de Ouro Preto”, para suprir a carência de funcionários.[3] Dentre os integrantes dessa turma estava José Pedro Pereira. Nascido em 1928, na cidade de Ouro Preto, graduado em 1953, seu primeiro emprego leva-o para o Rio de Janeiro, admitido como epidemiologista, em 1954, pelo Instituto de Malariologia.

Quando, em 1955, decidiu-se pela transferência do Instituto de Malariologia para Belo Horizonte, José Pedro aceitou mudar-se para a capital mineira. Em 1956 ele assumiu a função de pesquisador, e testemunhou a transformação do Instituto em Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), como parte da estrutura do Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu). Nessa etapa da carreira, José Pedro assumiu novas tarefas, atuando como professor assistente no Curso de Endemias Rurais do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), ministrando aulas sobre inseticidas, moluscicidas e raticidas, nos anos de 1956, 1957 e 1958.[4] Nessa época existia grande otimismo na eficácia dos inseticidas, principalmente o DDT, que teve impactos iniciais positivos no combate à malária.[5] Mas já se entabulavam discussões sobre métodos de combate complementares, capazes de controlar a doença. Nesse sentido o engenheiro químico Ernest Paulini, chefe do Laboratório de Química e Inseticidas do CPBH, começou a desenvolver várias pesquisas, em conjunto com José Pedro, a quem qualificou como “meu fiel e eficiente colaborador durante vinte anos”.[6] Os dois já trabalhavam juntos desde a época em que o Instituto de Malariologia funcionava no Rio de Janeiro, e se dedicaram, a pedido de Mário Pinotti, a estudar o uso do sal cloroquinado no combate à malária, resultando em trabalhos publicados em coautoria,[7] versando sobre: dosagem da cloroquina, concentração e eliminação em líquidos orgânicos, estabilidade da substância em condições ambientais diversas.

José Pedro também participou de pesquisas sobre substâncias moluscicidas, em particular provenientes de produtos naturais, como extratos de plantas,[8] com destaque para derivados da casca da castanha de caju.[9] No ano de 1986, jornal repercutiu a investigação, informando que a cientista Cecília de Souza, “junto com o químico José Pedro Pereira”, teriam comprovado, desde a década de 1970, “a eficácia da casca da castanha para matar a cercaria do xistossoma mansoni”, mas que faltava investimento governamental para desenvolver o produto.[10] Tendo em vista sua formação em farmácia e a experiência em lidar com química, ele participou de vários estudos em coautoria com outros colegas do Instituto René Rachou, como Nelymar Martineli Mendes e Naftale Katz, na área de esquistossomose.

Ao longo de sua carreira, José Pedro realizou diversos cursos: Especialização em Engenharia Sanitária, na Escola de Engenharia da UFMG, em 1959; Controle de roedores – Monsanto e INERu, em Belo Horizonte, no ano de 1969; Cromatografia, pela Escola de Farmácia e Bioquímica da UFMG, 1971 e, no mesmo ano, Microscopia e suas aplicações na pesquisa, no próprio Centro de Pesquisas René Rachou. Além disso, realizou estágio no Centro de Pesquisas de Produtos Naturais da Escola de Farmácia da UFRJ, em 1972.[11] Diante da experiência acumulada, assumiu a chefia do Laboratório de Química e Inseticidas, entre 1970 e 1991, que no ano de 1989 passou a chamar-se Laboratório de Química de Produtos Naturais, com foco no estudo das potencialidades da biodiversidade brasileira para a criação de produtos a serem usados no combate a doenças tropicais.[12]

Como um dos pesquisadores mais antigos da Instituição, assumiu a direção do Centro entre os anos de 1975 e 1977, em um momento administrativo difícil, pois nesse período ocorreu “a obrigatoriedade de opção do funcionalismo público federal pela CLT, o que levou ao desligamento apenas funcional de vários pesquisadores, que mantiveram vínculos científicos com o Centro”.[13] Foi vice-diretor do Instituto na gestão de Zigman Brener (1977-1985) e de Naftale Katz, entre 1985 e 1990, período que marcou a modernização do Centro, com destaque para a construção de prédio anexo, inaugurado em fins de 1988, batizado com o nome do cientista José Pellegrino. Aposentado em 1991, José Pedro participou ativamente da comunidade científica nacional, sendo filiado da Associação Mineira de Farmacêuticos, membro da Sociedade de Biologia de Minas Gerais, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.[14]

Tido como colega de “fácil trato”,[15] lembrado como “o inesquecível Dr. José Pedro Pereira. Os funcionários faziam questão de, anualmente, comemorar o aniversário do Dr. José Pedro”.[16] Em reconhecimento pela sua trajetória científica, e por ser pessoa de destacada generosidade, o pesquisador recebeu diploma de Honra ao Mérito do Instituto René Rachou, em 1997.[17] No ano de 2014 foi homenageado pela Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto, em conjunto com a Associação de ex-alunos.[18] Em novembro 2018 recebeu mais uma homenagem do Instituto René Rachou, que conferiu seu nome à sala da Diretoria. José Pedro Pereira foi um dos pesquisadores pioneiros da hoje Fiocruz Minas. Tendo integrado os quadros da Instituição desde 1955, ele não apenas testemunhou o processo de solidificação da ciência brasileira na segunda metade do século XX, como participou de sua construção.

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Historiadora: Dr.ª Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos

 

[1] FIOCRUZ; VELLOSO, Verônica P.. Escola de Farmácia de Ouro Preto. Verbete.  Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930), Casa de Oswaldo Cruz. Disponível em: <http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/escfarop.htm>.

[2] CPDOC-FGV. Mário Pinotti. Dicionário. Verbete-biográfico. Disponível em:

< http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/pinotti-mario>.

[3] PAULINI, Ernest. O passado revisitado: o Instituto de Malariologia e o Instituto de Endemias Rurais (INERu). Hist. cienc. saude-Manguinhos, vol. 11(1), jan.-abr. 2004, p. 151-152.

[4] FIOCRUZ. Instituto René Rachou. Dados funcionais.

[5] SILVA, Renato da; HOCHMAN, Gilberto. Um método chamado Pinotti: sal medicamentoso, malária e saúde internacional (1952-1960). Hist. cienc. saude-Manguinhos,  v. 18, n. 2, jun. 2011, p. 523.

[6] PAULINI, Ernest. Ibidem, p. 152.

[7] PAULINI, Ernest; PEREIRA, José Pedro; WHO. Studies on medicated salt: excretion of three chloroquine compounds, 1961. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/handle/10665/64815>; PAULINI, Ernest; SOARES, Rostan; PEREIRA, José Pedro. Da concentração e eliminação da cloroquina através de líquidos orgânicos de pacientes sob regime de sal cloroquinado. Revista Brasileira de Malariologia, vol. 9, n. 1, p. 29-49, jan. 1957.

[8] MENDES, Nelymar Martineli et al. Ensaios preliminares em laboratório para verificar a ação moluscicida de algumas espécies da flora brasileira. Rev. Saúde Pública,  vol. 18, n. 5, p. 348-354,  out.  1984.

[9] SOUZA, Cecília Pereira de et al. O uso da casca da castanha do caju, Anacardium occidentale, como moluscicida alternativo. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, vol. 34, n. 5, p. 459-466, out.  1992.

[10]Castanha de caju combate o xistossoma. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 318, 24 fev. 1986, p. 7.

[11] FIOCRUZ. Instituto René Rachou. Dados funcionais.

[12] FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou – A Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fiocruz, 2000, p. 30.

[13] THIELEN, Eduardo Vilela; KLEIN, Lisabel Espellet. A ciência das doenças nas geraes: da filial de Manguinhos ao Centro de Pesquisas René Rachou. In: Centro de Pesquisas René Rachou. Produção Científica, 1980-1999. Belo Horizonte, 2000, s.p..

[14] FIOCRUZ. Instituto René Rachou. Dados funcionais.

[15] KATZ, Naftale. Discurso de homenagem a José Pedro Pereira, 2018, s.p..

[16] SILVA, Wanderley Alves da. Nossa Gente. Entrevista. Disponível em:

< http://www.cpqrr.fiocruz.br/pg/wanderley-alves-da-silva/>.

[17] FIOCRUZ. Entrega de Diploma de Honra ao Mérito no Centro de Pesquisas René Rachou. Documento audiovisual, 1997.

[18] UFOP. Ex-alunos são homenageados nos 175 anos da Escola de Farmácia. Disponível em:

< https://ufop.br/noticias/ex-alunos-so-homenageados-nos-175-anos-da-escola-de-farmcia>.