Marcello de Vasconcellos Coelho

MarcelloCoelho

Marcello de Vasconcellos Coelho Imagem do acervo do Centro de Computação da UFMG.

Natural de João Pessoa, Paraíba, nascido em 1930, Marcello de Vasconcellos Coelho se destaca como uma das figuras mais importantes do cenário científico e acadêmico mineiro. Tendo completado os estudos primário e secundário em Recife, ele cursou medicina na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1951, durante a graduação, foi chamado pelo professor da UFPE, Frederico Simões Barbosa, diretor do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), para atuar na Instituição, na área de parasitologia.[1] Em 1953, pouco antes de formar-se, passou seis meses em Belo Horizonte, aprofundando estudos no campo da histologia, sob a supervisão do cientista Lobato Paraense que, naquele momento, realizava pesquisas sobre leishmaniose na Faculdade de Medicina de Minas Gerais.[2] Graduado em 1954, ele foi contratado pelo CPqAM, investigando “toda a parte da transmissão e da epidemiologia da esquistossomose no campo”. Também participou de pesquisa pioneira sobre a sobrevivência do hospedeiro da doença em condições ambientais de seca.[3] No mesmo período trabalhou como docente da cadeira de Parasitologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Recife, entre 1955 e 1959; e em 1957 começou a lecionar na Faculdade de Filosofia da Universidade de Recife.[4] O médico passou curto período no Rio de Janeiro, estudando biofísica com o cientista Carlos Chagas Filho, mas a sua vocação era a parasitologia.[5]

Desde 1956 o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães e o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), pertenciam à mesma estrutura governamental, integrando o Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu). Em 1959, Marcello de Vasconcellos foi convidado pelo Ministro da Saúde, Mário Pinotti para chefiar o CPBH. Segundo Beatriz Coelho, esposa de Marcello Vasconcellos, o pesquisador abriu mão de uma bolsa da Fundação Rockefeller, para estudar nos Estados Unidos,[6] para assumir a direção do CPBH, cargo que exerceu por uma década, até 1969 (quando o local já se chamava Centro de Pesquisas René Rachou – CPqRR). Segundo ele, “O pessoal do instituto me recebeu muito bem”, e além da chefia, o médico desenvolveu pesquisas nas áreas de Doença de Chagas e esquistossomose, mas logo se firmou no campo da leishmaniose. Marcello Vasconcellos conseguiu verba federal para trazer ao Brasil, em visita ao CPBH, Saul Adler, especialista em leishmaniose, chefe do departamento de parasitologia da Universidade Hebraica de Jerusalém.[7] Pouco depois, a convite de Adler, realizou investigações sobre o tema em Israel,[8] entre 1961 e 1962,[9] “Estagiou […] na Universidade Hebraica durante seis meses, com um Special Research Training Grant concedido pela OMS. Lá estudou com Adler técnicas de manutenção de amostras de Leishmania e, sobretudo, técnicas imunobiológicas usadas para decifrar a composição antigênica das várias cepas, tendo em mira a sua identificação específica”.[10]

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Grupo de pesquisadores reunidos em Belo Horizonte, provavelmente nas      dependências do CPBH. Da primeira fila, e da esquerda para a direita: José Pellegrino, Marcello Coelho, Saul Adler, Zigman Brener, não identificado, Roberto Alvarenga, Geraldo Chaia (identificação feita por Beatriz Coelho). Ano provável: 1961. Fotografia do acervo particular de Marcello Vasconcellos Coelho, cedida por sua esposa, Beatriz Coelho.

 

Durante a administração de Marcello Coelho no CPqRR foram criados os Laboratórios de Doenças de Chagas (1960), de Esquistossomose (1963) e Epidemiologia da Doença de Chagas (1960). Entre 1961 e 1969 ele também chefiou o Laboratório de Leishmanioses da Instituição, função que voltou a exercer de 1974 a 1976.[11] De acordo com Marcelo Vasconcellos, “Fomos os primeiros a conseguir a transmissão experimental em leishmaniose”.[12] Em 1977, o médico participou de reunião de Grupo do Trabalho Científico em Leishmaniose, na Suíça.[13] Segundo publicação do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), durante o mandato de Marcello Coelho, “o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte pôde desenvolver suas atividades rotineiras de modo bastante satisfatório, ao tempo em que foram consideravelmente ampliados seus trabalhos de campo e de pesquisas epidemiológicas. […] instalar ou remodelar laboratórios, biotérios e construir novos insetários”.[14] No ano de 1968 o médico foi nomeado vice-diretor do INERu, e em 1969 foi diretor em exercício do órgão,[15] em acúmulo com suas atividades no CPqRR.

Em 1959, mesma época em que assumiu a chefia do CPBH, o pesquisador iniciou atividade docente na Escola de Saúde Pública e na Faculdade de Odontologia da então Universidade de Minas Gerais;[16] no ano seguinte passou a ser professor da Faculdade de Medicina, e logo depois da Faculdade Farmácia da universidade.[17] Obteve o título de doutor pela Faculdade de Medicina da UFMG em 1966.[18] Com a fundação do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, em 1968, passou a integrar seus quadros, no Departamento de Parasitologia, sendo diretor do Instituto entre 1975 e 1979. Também foi coordenador do curso de Pós-Graduação em Parasitologia do ICB (1974, 1981-1983, 1987).[19]

Marcello de Vasconcellos Coelho foi um dos mais destacados reitores da UFMG, cargo que exerceu entre dezembro de 1969 e dezembro de 1973. À época do início do mandato, com 39 anos, era o reitor mais novo no comando de uma universidade federal no Brasil. Na sua gestão foi aprovado o plano diretor que levou à expansão do Campus Pampulha, fundou-se o Centro de Computação (Cecom), além de terem sido realizadas diversas obras, como a do Centro Esportivo Universitário (CEU), inaugurado em 1971.[20] Ao longo do seu mandado, Marcello V. Coelho teve que lidar com uma conjuntura política complexa e tensa, já que se vivia, nessa época, sob a ditadura militar implantada com o Golpe de 1964, que perseguiu vários quadros das universidades brasileiras. Ao iniciar seu mandato, tendo designado seus auxiliares próximos, recebeu telefonema do general Gentil Marcondes Filho, que admoestou o reitor: “O senhor designou pessoas que não são da confiança do Exército”. Ao que respondeu Marcello Coelho, “Olha, general, eu nunca designei coronel seu, portanto, eu espero que também o senhor não se meta nos meus designados, porque eu dirijo a Universidade, escolhido pelo Presidente da República”.[21] O fato do médico paraibano ser concunhado do general Antônio Carlos da Silva Murici, então chefe do Estado Maior do Exército,[22] franqueou-lhe margem de manobra para preservar a UFMG de intervenções mais bruscas.

Após o período como reitor, Marcello Vasconcellos voltou para o então Instituto René Rachou, que já integrava a estrutura da Fiocruz, exercendo o cargo de diretor no ano de 1974. Ao longo de sua trajetória, o pesquisador assumiu outros cargos de gestão, como o de Secretário Executivo da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP), ligada à UFMG, entre 1983-1987. No ano de 1994 recebeu o título de Professor Emérito da UFMG. Foi agraciado com a Medalha Carlos Chagas e, atualmente, a biblioteca da Escola de Belas Artes da UFMG leva seu nome. Do ponto de vista da pesquisa científica, seus trabalhos versaram sobre esquistossomose, relações antigênicas das leishmanioses, entomologia e controle de doenças endêmicas, tendo publicado diversos trabalhos sobre esses temas.[23] Participou de seminários internacionais da Organização Mundial da Saúde, na Rússia, sendo assessor da Organização nas áreas de esquistossomose e leishmaniose.[24] Foi membro da “Sociedade de Parasitologia, Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Sociedade Latino-Americana de Parasitologia, Sociedade de Biologia de Minas Gerais, Sociedade de Biologia de Pernambuco, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência”.[25]

Marcello Coelho foi um grande estimulador de intercâmbios entre as unidades que comandou. Como diretor do INERu e do CPqRR no fim da década de 1960, e logo em seguida reitor da UFMG, ele foi peça fundamental nas negociações que resultaram em convênios firmados entre o Centro de Pesquisa René Rachou e a UFMG nos anos de 1969 e 1974, estipulando parcerias de pesquisa e orientação conjunta de alunos. Falecido em 2004, a carreira de Marcello V. Coelho evidencia sua longa experiência na administração de órgãos relacionados à saúde, pesquisa e educação. Sua atuação nessas áreas firmou alicerces que, até os dias de hoje, estruturam a rede de pesquisa científica no estado de Minas Gerais.

 

 

Agradecimento: A Fiocruz Minas agradece à Beatriz Coelho, professora aposentada da Escola de Belas Artes da UFMG, esposa de Marcello Vasconcellos, pela concessão de entrevista e pela grande gentileza na cessão de cópias de fotografias do acervo particular do professor Marcello Coelho.

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Historiadora: Dr.ª Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos

 

[1] COUTINHO, Eridan M; BRANDÃO FILHO, Sinval P.. O Instituto Aggeu Magalhães e sua figura símbolo: Frederico Simões Barbosa. Cad. Saúde Pública, 32, Sup 1:eES01S116, 2016, p. S3.

[2] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. O Instituto Aggeu Magalhães na vida de seus Personagens. Rio de Janeiro: Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz; Recife: Fiocruz, Instituto Aggeu Magalhães 1997, p. 416; FIOCRUZ MINAS; OSTOS, Natascha S. C.. Wladimir Lobato Paraense. Projeto Memória Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas. Disponível em:

< http://www.cpqrr.fiocruz.br/pg/wladimir-lobato-paraense/>.

[3] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. Ibidem.

[4] UFMG. Morre aos 74 anos o ex-reitor Marcello de Vasconcellos Coelho. Disponível em:

<https://www.ufmg.br/online/arquivos/000850.shtml>; Gestão de Marcello de Vasconcellos Coelho. Nota Biográfica. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Universidade Federal de Minas Gerais: Memória de Reitores (1961-1990). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 101.

[5] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. Ibidem, p. 417.

[6] COELHO, Beatriz Ramos de Vasconcellos (depoimento, 2021). [Entrevista concedida a Natascha Stefania Carvalho De Ostos]. Belo Horizonte, 08 abr. 2021.

[7] Idem; BRASIL. Diário Oficial da União. Departamento Nacional de Endemias Rurais, seção I, parte I, 22 jun. 1960, p. 9380.

[8] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. Ibidem, p. 417-418.

[9] RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Ibidem, p. 101.

[10] BENCHIMOL, Jaime Larry. Leishmanioses do Novo Mundo numa perspectiva histórica e global, dos anos 1930 aos 1960. Hist. cienc. saude-Manguinhos, v. 27, supl. 1, sept.  2020, p. 17.

[11] FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou – A Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fiocruz, 2000, págs.. 6, 12, 32 e 20.

[12] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. Ibidem, p. 418.

[13] BRASIL. Diário Oficial da União. Afastamento do país, seção I, parte I, 16 nov. 1977, p. 15486.

[14] Instituto Nacional de Endemias Rurais. Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. In: DENERu. Folhas de Atualidades em Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 12, dez. 1966, p. 39.

[15]  RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Ibidem, p. 101.

[16] UFMG. Ibidem.

[17] BRENNER, Zigman. Fragmentos autobiográficos. In : KLEIN, Lisabel et al. Inovando a tradição: Zigman Brener e a parasitologia no Brasil. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz; Belo Horizonte: Centro de Pesquisas René Rachou, 2003, p. 229.

[18] BENCHIMOL, Jaime Larry; JUNIOR, Denis Guedes Jogas. Uma História das Leishmanioses no Novo Mundo (fins do século XIX aos anos 1960). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Belo Horizonte: Fino Traço, 2020, p. 580; RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Ibidem, p. 101.

[19] Idem, p. 101.

[20] UFMG. Ibidem.

[21] Depoimento. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Universidade Federal de Minas Gerais: Memória de Reitores (1961-1990). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p. 110; LEITE, Isabel Cristina. “Apurando a subversão”: um estudo de caso sobre repressão na Universidade pelos arquivos da AESI/UFMG. Temporalidades, vol. 2, n.º 1, jn./jul. 2010, p. 152.

[22] Depoimento. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Ibidem, p. 108.

[23] Gestão de Marcello de Vasconcellos Coelho. Nota Biográfica. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; NEVES, Lucília de Almeida (org.). Idem, p. 101-102.

[24] VASCONCELOS, Marcelo. Depoimento oral. In: MONTENEGRO, Antonio Torres; FERNANDES, Tania (orgs). Memórias Revisitadas. Ibidem, p. 422.

[25] UFMG. Boletim Informativo do Instituto de Ciências Biológicas. Belo Horizonte, ano I, n. 6, dez. 1969.