Pobreza menstrual: condições sanitárias inadequadas nas escolas impactam direitos fundamentais

Placa de banheiro feminino.

Nas últimas semanas, após o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei nº 4968/19 , que prevê a distribuição gratuita de absorventes em escolas públicas e penitenciárias e obriga a inclusão do produto em cestas básicas, a expressão pobreza menstrual vem sendo bastante usada em referência à falta de acesso a produtos de higiene menstrual. Mas o termo não se limita a esse significado. Tem também relação direta com a falta de infraestrutura apropriada, como banheiros, água e saneamento, para gestão menstrual adequada. Dados de uma pesquisa do Grupo de Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento da Fiocruz Minas revelam que a pobreza menstrual gerada por condições sanitárias inadequadas, além de ter impactos negativos na saúde, pode afetar até mesmo o rendimento escolar de adolescentes.

O estudo avaliou o acesso ao saneamento em uma escola pública urbana, localizada na periferia de uma cidade no sul da Bahia. A bióloga Édila Coswosk, na época doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Fiocruz Minas, frequentou a instituição de ensino entre outubro e dezembro de 2016, período em que observou as rotinas dentro da escola. Ela também conduziu quatro grupos focais, que contaram com a participação de 39 estudantes, com idade entre 12 e 16 anos, e entrevistas individuais com o diretor e o vice-diretor da escola.

Segundo Coswosk, durante os relatos, os alunos declararam haver problemas relacionados à disponibilidade de banheiros, uma questão que afeta principalmente as meninas. “A quantidade de banheiros não é suficiente para o número de estudantes. Essa foi uma questão apontada por meninas e meninos. Entretanto, para elas, a situação é mais complicada, pois os banheiros acabam ficando muito sujos, principalmente durante os intervalos, o que leva as adolescentes a deixarem de ir ao banheiro quando estão menstruadas. Muitas relataram que passam a tarde inteira sem se levantar da carteira, ainda que estejam com vontade de urinar ou precisem trocar os absorventes”, revela Coswosk.

Ainda segundo o estudo, todas as adolescentes ouvidas no decorrer da pesquisa relataram que, durante o período menstrual, ficam menos concentradas nas aulas, pois estão preocupadas com o risco de vazamento de sangue. “Uma das alunas chegou a dizer que se sente paralisada durante esses dias. Isso se deve ao fato de o sangue menstrual ainda ser um tabu em nossa sociedade, mas também tem a ver com a falta de instalações adequadas. A condição do banheiro impacta na conduta das meninas, especialmente quando estão menstruadas”, afirma a pesquisadora.

Outro ponto apontado pelas alunas e alunos é que, muitas vezes, faltam água e sabão para lavar as mãos, e a descarga não funciona. Além disso, segundo a direção da escola, para evitar desperdícios, o papel higiênico fica na secretaria, dificultando o acesso em caso de emergência. “O papel, que poderia socorrer as pessoas que menstruam numa situação de emergência, não está disponível, causando ainda mais insegurança para esse grupo de pessoas”, destaca Coswosk.

Para a pesquisadora, quando o ambiente não é adequado para atender a necessidades básicas das pessoas, esse lugar se torna excludente. No caso das escolas, o não atendimento ao direito de acesso à água e ao saneamento, por meio de instalações sanitárias adequadas, interfere no direito à educação, especialmente para as pessoas que menstruam. Isso porque, para uma gestão da higiene menstrual adequada, são necessários materiais para coleta e absorção do sangue, bem como condições de controlar o fluxo menstrual com conhecimentos e autoeficácia, de forma higiênica, com privacidade, dignidade e segurança para fazê-lo de forma confortável e culturalmente aceitável.

“Esse estudo indica, conforme já abordado por outros autores, como a estratificação econômica e social entra no corpo humano. Tomando os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário como referência, a sua violação produz iniquidades que adentram o corpo por meio das necessidades biológicas mais elementares e corriqueiras: tomar água, defecar, urinar, menstruar. Menstruação é uma necessidade mensal, não dá para ignorá-la. A gestão escolar precisa de apoio, através de políticas públicas e recursos, para criar e manter ambientes favoráveis à saúde. Oferecer banheiros adequados tem a ver com dignidade humana e criação e manutenção de ambientes sensíveis às questões de gênero”, ressalta a pesquisadora.