Contribuições do Instituto René Rachou no combate e estudo da Filariose

 

A filariose linfática é uma doença causada por um helminto (verme), cujo agente nas Américas é o Wuchereria bancrofti. “No Brasil, a filariose é transmitida apenas pela picada da fêmea do mosquito Culex quinquefasciatus”. A doença causa a inflamação dos vasos linfáticos, podendo levar a inchaços em partes do corpo, condição conhecida como elefantíase.[1]

A doença está relacionada à precariedade social e sanitária das comunidades: “A característica comum a esses locais é a presença de numerosos criadouros, tais como fossas sépticas, caixas de passagem, valas e córregos contaminados por efluentes domésticos, além de outras falhas na drenagem do solo”.[2]

O combate ao vetor é uma das formas de controlar a endemia, que no Brasil, em meados do século XX atormentava a população pobre e desassistida, como mostrou a capa da revista Careta, de 1954.

Filariose

Careta, Rio de Janeiro, n. 2.408, 21 ago. 1954. Acervo: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

 

 

A imagem retrata dois personagens. O primeiro é o Jeca, que no repertório cultural brasileiro representa o homem rural simples e carente. Ele foi desenhado descalço, com roupas de trabalho e chapéu na mão, sinal de deferência com o interlocutor. O cenário é campestre, com uma singela casa ao fundo, de telhado de palha. Ao redor da residência, como que ameaçando seus habitantes, vários mosquitos sobrevoam o local. A segunda figura é o médico Mário Pinotti, Ministro da Saúde à época, importante sanitarista, retratado com vestimentas e postura que informam sua autoridade. A legenda é a seguinte: “JECA – Praga, aqui, é mato! / PINOTTI – Vou acabar com elas, Jeca. A ESQUISTOSSOMOSE, a FILARIOSE. / JECA – Mas a que “tá” me acabando é a SEMVERGONHOMATOSE…”. A charge informa sobre a precariedade de vida da população rural, sujeita a uma série de doenças, como a filariose, citada na legenda. Fica implícito que, por mais que os profissionais de saúde se empenhassem em combater as endemias, o que “acabava” com o povo era a falta de vontade política das classes dirigentes em enfrentar os problemas sociais, pois muitas das doenças estavam relacionadas à pobreza e falta de infraestrutura sanitária.

Apesar da filariose não afetar significativamente Minas Gerais, pesquisadores do hoje Instituto René Rachou colaboraram com estudos sobre o assunto. René Rachou destacou-se nacionalmente no estudo do tema, tendo realizado o primeiro estudo sobre a “distribuição geográfica da filariose no Brasil”.[3] Entre os anos de 1952 e 1960 ele foi coordenador da Campanha contra a Filariose no país. Em 1960, o grupo de estudos contra a filariose do Ministério da Saúde, reconheceu a importância do pesquisador: “Não podemos deixar aqui de fazer o elogio do trabalho do antigo Coordenador desta Campanha, Dr. René Rachou. Só os que receberam seus arquivos, que leram as suas numerosas monografias, que tomaram conhecimento de seus métodos de estudo é que podem avaliar o esforço por ele despendido para organizar no Brasil a Campanha contra a Filariose. E os resultados que hoje colhemos se devem, em grande parte, ao trabalho de Dr. René Rachou”.[4]

Em 1957, quando diretor do Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), Rachou atuou como relator do tema Filariose na I Jornada de Medicina Tropical da Associação Médica Brasileira.[5] Um ano antes, em 1956, ele ministrou curso sobre filariose para profissionais da saúde, no CPBH. No curso, ele teve como assistente outro pesquisador do Centro, Milton Moura Lima, que foi chefe do então Laboratório de Entomologia Médica da instituição, responsável pelo “estudo dos insetos transmissores de doenças ao homem”, e que ao longo de décadas desenvolveu pesquisas “envolvendo a relação parasita-vetor na leishmaniose, malária e filariose”.[6] O dois publicaram trabalhos conjuntos sobre ciclo evolutivo do mosquito, transmissão, combate (teste de inseticidas) e inquérito epidemiológico da filariose em vários estados brasileiros.[7]

Assim, pesquisadores da hoje Fiocruz Minas também produziram estudos sobre doenças para além daquelas que incidiam em Minas Gerais, auxiliando órgãos de saúde pública no combate a agravos que afetavam outras regiões do Brasil. Também graças à contribuição desses pesquisadores, a filariose hoje já não representa um grande problema de saúde pública no país.

 

 

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenador: Dr. Roberto Sena Rocha.

Texto da historiadora: Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

 

[1] FIOCRUZ. In Vivo. Filariose linfática. Disponível em: <http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=106&sid=8>.

[2] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância do Culex quinquefasciatus. Coordenação: Francisco Anilton Alves Araújo, Marcelo Santalucia. Brasília: Ministério da Saúde, 2011, p. 9.

[3] COUTINHO, A.; MEDEIROS, Z.; DREYER, G.. História da filariose linfática em Pernambuco. Aspectos epidemiológicos e de controle. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, vol. 29, n. 6, nov.-dez. 1996, p. 607.

[4] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Campanha contra a Filariose. In: Combate a Endemias Rurais no Brasil. (Relatórios dos Grupos de Trabalho reunidos em 1960 na cidade do Rio de Janeiro). Departamento Nacional de Endemias Rurais, DNERu. Guanabara, 1962, p. 123.

[5] Homenagem a René Rachou. Curriculum Vitae. Atividades profissionais. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, Rio de Janeiro, vol. XVIII, n. 3-4, jul./dez. 1966, p. 382, p. 383.

[6] BRASIL. Diário Oficial da União, seção I, 01 out. 1956, p. 18.627; FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou – A Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fiocruz, 2000, p. 8.

[7] LIMA, M. M.; FERREIRA NETO, J. A.; RACHOU, R. G.. Do ciclo evolutivo do Culex pipiens fatigans em condições experimentais: I. fase do ovo. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 8, 1956, p. 51-70; RACHOU, R. G.; LIMA, M. M.; FERREIRA NETO, J. A.; MARTINS, C. M.. Aedes scapularis, novo transmissor comprovado da filariose bancroftiana no Sul do Brasil (Nota Prévia). Rev. Brasil. Mal. D. Trop., n. 6, 1954, p. 145; RACHOU R. G.; LIMA, M. M.; NETO, J. A. F.; MARTINS, C. M.. Inquérito epidemiológico de filariose bancroftiana em uma localidade de Santa Catarina, como fase preliminar de uma prova profilática. Constatação de transmissão extra domiciliária por um novo vetor, Aedes scapularis. Rev. Bras. Malariol. Doenças Trop., n. 7, 195, p. 51-70.