Desde que começou a ser estudada, a microbiota intestinal vem sendo associada a diversas funções do organismo. Recentemente, um estudo realizado pela Fiocruz Minas em parceria com outras instituições mostrou que este conjunto composto por cerca de 100 trilhões de micro-organismos pode ajudar a evitar uma doença que afeta aproximadamente 300 milhões de pessoas em todo o mundo: o diabetes tipo 2. A pesquisa foi publicada recentemente na Nature Communications, uma das mais influentes revistas científicas.
Segundo o estudo, a Akkermansia muciniphila, bactéria presente na microbiota intestinal, pode auxiliar na transformação da glicose em energia para o corpo, diminuindo a concentração de açúcar no sangue. Entretanto, a Akkermansia seria impedida de realizar essa atividade pelo Interferon-gama, uma proteína liberada pelo próprio organismo, sempre que precisa se proteger contra infecções virais e de alguns protozoários e bactérias.
“Algumas pesquisas consideram o diabetes tipo 2 como uma doença inflamatória crônica, que faz com que o Interferon-gama seja constantemente liberado, conforme ocorre com as doenças autoimunes. Por meio desse trabalho, constatamos que o Interferon atrapalha o papel modulador da Akkermansia, levando ao excesso de açúcar no sangue” , explica o pesquisador do Grupo de Informática de Biossistemas e Genômica da Fiocruz Minas Gabriel Fernandes.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores observaram a ação da Akkermansia no organismo de camundongos, incapazes de produzir o Interferon-gama. Para isso, eles alimentaram os animais e avaliaram o índice de queda da glicose somente pela ação da insulina. Depois, os cientistas introduziram a bactéria (Akkermansia) no intestino dos ratos e constataram que o nível de glicose caía ainda mais. Já em uma terceira etapa, o Interferon foi introduzido no organismo dos camundongos e, com isso, os efeitos benéficos da Akkermansia não foram mais observados.
Em uma fase subsequente desse estudo, verificou-se que também em humanos existe essa correlação entre a abundância de Akkermansia muciniphila e o nível de glicose no sangue. Ou seja, quanto maior a quantidade dessa bactéria maior a capacidade de metabolização e consequente diminuição de açúcar no sangue. Foram avaliadas as microbiotas de 268 pacientes, bem como dados bioquímicos e antropométricos.
“Fizemos o sequenciamento da microbiota de cada um deles. Em seguida, por meio de análise estatística, avaliamos uma série de fatores, como quantidade de glicose, marcadores inflamatórios presentes, resistência à insulina, entre outros. Assim, verificamos que a Akkermansia e o Interferon seriam fatores determinantes da capacidade de metabolismo de glicose”, explica Fernandes.
Segundo o pesquisador, o estudo abre possibilidades para novas pesquisas voltadas para o tratamento do diabetes tipo 2. “Se você tem um paciente com resistência à insulina, é possível oferecer a ele nutrientes que favoreçam a Akkemansia e neutralize a ação do Interferon diante dessa bactéria. Um possível tratamento natural seria por meio de uso de prebióticos”, avalia.
Diabetes tipo 2- Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, no Brasil, há mais de 13 milhões de pessoas vivendo com diabetes, o que representa 6,9% da população. Desse total, cerca de 90% têm o diabetes tipo 2. Um dos principais problemas enfrentados é que, muitas vezes, o diagnóstico demora, favorecendo o aparecimento de complicações.
Diferentemente do que ocorre com o tipo 1, os indivíduos com diabetes tipo 2 produzem insulina. Entretanto, muitas pessoas desenvolvem resistência a esse hormônio e, com isso, a insulina não consegue cumprir seu papel de transportar a glicose para dento das células, para que ela seja transformada em energia para o corpo. Também pode acontecer de a pessoa não produzir insulina suficiente para suprir as demandas do organismo e, assim, o hormônio insuficiente não consegue carregar todo o açúcar, que acaba se acumulando no sangue.
Em boa parte dos casos, a diabetes tipo 2 pode ser controlado com atividade física e planejamento alimentar. Em outras situações, exige o uso de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.
Texto: Keila Maia
Imagem: Adaptada de Greer RL et al., Nature Communications, 2016