Emmanuel Dias

 

Emmanuel Dias. Foto: Instituto Oswaldo Cruz

Emmanuel Dias, nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 1908, construiu sua carreira científica na interseção de três gerações de pesquisadores. Ele era filho de Ezequiel Dias, sobrinho de Oswaldo Cruz e afilhado de Carlos Chagas, cientistas de Manguinhos, de modo que cresceu cercado pela influência dos maiores nomes da ciência brasileira do início do século XX.

Graduou-se em medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1932.[1] Ao longo do curso estudou com colegas que viriam a ser importantes pesquisadores da sua geração: Walter Oswaldo Cruz, Evandro Chagas e Carlos Chagas Filho. Ainda na graduação, ele iniciou estágio no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), trabalhando ao lado de Carlos Chagas em investigações sobre a doença de Chagas. Em 1933 defendeu a tese “Estudos sobre o Schizotrypanum cruzi. Segundo João Carlos Pinto Dias, “Além de uma minuciosa revisão morfológica do parasito, que mais tarde receberia a nomenclatura definitiva de Trypanosoma cruzi, Emmanuel descreve os ciclos biológicos do flagelado no vetor Triatoma infestans e em hospedeiros vertebrados, além de comprovar que a transmissão ocorria por via posterior, ou seja, através das fezes infectadas do triatomíneo. O achado contrariou as ideias iniciais de Chagas, que defendia a transmissão pela picada do inseto”.[2]

Na mesma época passou em concurso no IOC, como biologista. Na Instituição, ele acolheu o colega argentino Cecílio Romaña, responsável pelo achado de um sinal nos olhos, o chamado sinal de Romaña, que facilitaria o diagnóstico precoce da doença de Chagas. Dias também desenvolveu pesquisas sobre: “o ciclo do parasito, aperfeiçoa o xenodiagnóstico e a criação de triatomíneos em laboratório, estuda o parasita Trypanosoma rangeli e o vetor Triatoma maculata, alerta os médicos do interior do Brasil para a moléstia e para a transmissão por transfusão de sangue, estuda as diferentes interações de cepas do parasito com espécies diversas de vetores, descreve novos reservatórios vertebrados”. [3]

No ano de 1943, Emmanuel Dias foi convidado pelo diretor do IOC, Henrique Aragão, a assumir a direção do recém-criado Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas (CEPMC), em Bambuí, Minas Gerais, em razão da descoberta de foco da doença na região. No Centro, o cientista coordenou importantes pesquisas clínicas e epidemiológicas sobre a doença, ao lado de pesquisadores como José Pellegrino, Francisco Laranja e Genard Nóbrega.[4] Segundo depoimento de Laranja, os inquéritos desenvolvidos em Bambuí atestaram “que 50% da população estava infectada e que a metade desses infectados tinha cardiopatia. Ou seja, praticamente 25% da população, naquela época, tinha cardiopatia chagásica! Sabia-se que as zonas endêmicas eram muito extensas, então havia razão para se suspeitar de que a doença era extremamente frequente em todas as outras áreas”.[5]

Sob a liderança de Emmanuel Dias também foram realizadas extensas ações de profilaxia e combate à doença na região, com a experimentação de inseticidas, como o DDT, para a eliminação dos barbeiros. Graças a esses trabalhos pioneiros, o médico pôde afirmar, em meados da década de 1950, que “Vastas zonas do território nacional já foram, portanto, beneficiadas pelos primeiros passos na luta contra os nefastos vetores […] que se iniciou em Bambuí”.[6] O pesquisador também realizou investigações sobre a incidência da esquistossomose e outras helmintoses na área.[7]

Emmanuel Dias faleceu no ano de 1962, com apenas 54 anos de idade, vítima de acidente de automóvel. Mas sua carreira continuou inspirando a mais nova geração de cientistas brasileiros, principalmente na figura dos seus filhos, Emmanuel Pinto Dias e João Carlos Pinto Dias e de Emmanuel Dias Neto. João Carlos P. Dias assumiu a direção do CEPMC, dando continuidade ao trabalho do pai, transformando-se em um dos grandes nomes mundiais na pesquisa de doença de Chagas.

Emmanuel Dias publicou mais de 200 trabalhos científicos, foi membro da Academia Mineira de Medicina[8] e recebeu diversas homenagens póstumas. Em 1980 o CEPMC passou a chamar-se Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias. No ano de 2008, em comemoração ao seu centenário de nascimento, o pesquisador foi tema de exposição chamada Doutor Emmanuel Dias, montada no IOC, e seu nome foi atribuído a um anfiteatro em Manguinhos.[9] João Carlos Pinto Dias assumiu o papel de guardião da memória do pai, tendo publicado diversos textos[10] sobre seu legado, além de ter organizado um livro, intitulado Dr. Emmanuel Dias, que conta a vida do cientista por meio de depoimentos de familiares e colegas de trabalho.

A trajetória científica de Emmanuel Dias é elo que une três gerações de pesquisadores brasileiros ao longo do século XX, em marcante atuação em prol da saúde no país.

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenador: Dr. Roberto Sena Rocha.

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em Historiadora

 

[1] REZENDE, Joffre Marcondes de. Emmanuel Dias, 1908-1962. In: DIAS, João Carlos Pinto (Org.). Dr. Emmanuel Dias, 1908-1962. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009, p. 85.

[2] DIAS, João Carlos Pinto. Emmanuel Dias. Instituto Oswaldo Cruz. Disponível em:

<http://www.fiocruz.br/ioc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1724&sid=76>.

[3] Idem.

[4] KROPF, Simone; AZEVEDO, Nara; FERREIRA, Luiz. Doença de Chagas: a construção de um fato científico e de um problema de saúde pública no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, n. 2, 2000, p. 355.

[5] GOLDSCHMIDT, Rose et al. O olhar da cardiologia: Francisco Laranja e as pesquisas sobre a doença de Chagas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 16, supl. 1, 2009, p. 106. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/hcsm/a/8Ptj6VwxDpXbMFJhDC6c7Wb/?lang=pt#>.

[6] DIAS, Emmanuel. O Centro de Estudos e Profilaxia de Moléstia de Chagas, em Bambuí, Estado de Minas Gerais. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, vol. 54, n. 1, maio 1956, p. 338.

[7] DIAS, Emmanuel. Incidência da esquistossomose mansoni e outras helmintoses no município de Bambuí, Minas Gerais. Rev. Bra. de Mala., n. 4, 1954, p. 601-605. In: DIAS, João Carlos Pinto (Org.). Dr. Emmanuel Dias, 1908-1962. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009, p. 41.

[8] Academia Mineira de Medicina. Emmanuel Dias. Disponível em:

<http://www.acadmedmg.org.br/ocupante/emmanuel-dias/>.

[9] FIOCRUZ. Agência Fiocruz de notícias. Exposição recupera trajetória de Emmanuel Dias, 27 ago. 2008. Disponível em: <https://agencia.fiocruz.br/exposi%C3%A7%C3%A3o-recupera-trajet%C3%B3ria-de-emmanuel-dias>.

[10] DIAS, João Carlos Pinto. Cinquenta anos de Bambuí. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, vol. 26, supl. II, 1993, p. 4-8; DIAS, João Carlos Pinto; PRATA, Aluízio; COURA, José Rodrigues. Emmanuel Dias: o principal artífice do combate à doença de Chagas nas Américas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2008, vol. 41, n. 5, 2008, p. 502-504. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rsbmt/a/ZrYcx5cgKYFjDMh7jBNTFwN/?lang=pt#>; DIAS, João Carlos Pinto; MATOS, Christiane Santos. Seventy years of the Chagas disease Bambuí Project: celebration and perspectives. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, vol. 46, n. 5, sep./oct. 2013, p. 533-535.