Giovanni Gazzinelli

Giovanni Gazzinelli Fotografia de arquivo pessoal

 Giovanni Gazzinelli é uma das figuras mais destacadas do campo da bioquímica no país, tendo construído uma longa carreira em prol da pesquisa nacional. Nasceu em Araçuaí, Minas Gerais, no ano de 1927, em uma família de origem italiana. A sua primeira experiência acadêmica marcante foi o ingresso no famoso Seminário de Diamantina onde, segundo ele, “eu aprendi a ter disciplina no trabalho […] com horário pra estudar, horário pra aula… tudo”.[1] A temporada no Seminário incutiu-lhe o gosto pela leitura e pelos estudos, o que teria sido fundamental na sua adaptação à rígida rotina da carreira científica. Mais tarde mudou-se para Belo Horizonte, onde completou a sua formação e trabalhou como taquígrafo até terminar a graduação em medicina, no ano de 1955.[2] Seu interesse na carreira médica deveu-se à influência do pai, também médico, que sofria de tuberculose e buscou tratamento na capital mineira. Como estudante de graduação, Giovanni Gazzinelli teve a oportunidade de conhecer o grande médico José Baeta Vianna, um dos precursores da química médica no Brasil e o responsável por atrair o estudante Giovanni para a área da bioquímica. O entusiasmo transmitido pelo mestre nunca mais abandonou o discípulo, e foi nessa área que o jovem médico enveredou.

Baeta Vianna possuía uma vasta rede de contatos internacionais, e por sua influência a Fundação Rockefeller passou a financiar, na década de 1950, projetos na Faculdade de Medicina da UFMG.[3] Tal fato permitiu que Giovanni Gazzinelli, como pesquisador de destaque, conseguisse uma bolsa para se especializar nos Estados Unidos da América, no início da década de 1960, trabalhando com biossíntese de proteínas no laboratório do professor Sherman Dickman. De acordo com o cientista, “eu fui pra Nova Orleans e fiquei um ano, depois, eu fui transferido pra South Lake City, em Utah, e lá eu fiquei três anos”.[4] Essa experiência ampliou não apenas o seu conhecimento científico, como permitiu-lhe travar relações com cientistas estadunidenses que, mais tarde, renderam parcerias importantes para o campo científico brasileiro. De volta à Belo Horizonte foi imediatamente contratado como professor da Faculdade de Medicina da UFMG, e, posteriormente, com a criação do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em 1969, passou a vincular-se a essa unidade, no Departamento de Bioquímica. A essa altura já possuía dois doutorados nas áreas de Bioquímica e Imunologia, além de conquistar o posto de professor titular da universidade. Ali criou o grupo de Imunoparasitologia, tendo publicado vários artigos científicos de alto impacto internacional e orientado muitos alunos de graduação e pós-graduação. De acordo com Paulo Marcos Zech Coelho, Giovanni Gazzinelli, “Nos estudos sobre Esquistossomose elucidou vários aspectos bioquímicos e fisiológicos do processo de penetração das cercarias. […] Na interação parasita-hospedeiro estudou principalmente os mecanismos ligados à imunopatologia assim como a resposta imunológica ligada à proteção contra a infecção, principalmente no modelo experimental e posteriormente no ser humano”.[5] No início da década de 1970, Giovanni Gazzinelli, juntamente com os professores Carlos Ribeiro Diniz e Marcos Mares Guia, ajudou a criar a Reunião da Sociedade Brasileira de Bioquímica, na cidade de Caxambu, Minas Gerais, e que ocorre, anualmente, até os dias de hoje.

O pesquisador aposentou-se na UFMG em 1980, sendo imediatamente convidado pelos cientistas Zigman Brener e Naftale Katz para integrar o corpo de investigadores da Fiocruz Minas.[6] Mesmo antes de ser contratado pelo Instituto René Rachou, Giovanni Gazzinelli conhecia os cientistas da instituição, pois existia uma relação de proximidade entre a Faculdade de Medicina, o ICB e a Fiocruz Minas. Um dos seus parceiros de pesquisa foi José Pellegrino, do Instituto René Rachou, com quem estabeleceu, a partir de 1963, trocas profícuas no campo das doenças parasitárias. Ao assumir a chefia do Laboratório de Sorologia da Fiocruz Minas, Giovanni Gazzinelli empreendeu um vasto trabalho de modernização do local, que resultou na fundação da área de imunologia nesse centro de pesquisa. Para refletir as suas novas atribuições, o Laboratório passou por duas mudanças de denominação: Laboratório de Sorologia e Imunologia, e logo depois Laboratório de Imunologia Celular e Molecular.[7]

Na direção do local valeu-se dos seus contatos para criar parcerias internacionais inéditas, trazendo o imunologista norte-americano Daniel G. Colley para auxiliar no desenvolvimento dessa área no Instituto René Rachou, cooperação que se alongou por 13 anos. Além disso, contou com o auxílio da Organização Mundial da Saúde e do National Institutes of Health (NIH) para financiar as pesquisas.[8] O processo de internacionalização do centro continuou com a presença do britânico John Robert Kusel, parasitologista, que realizou várias pesquisas sobre esquistossomose em parceria com os cientistas da Fiocruz Minas. Com essas ações Giovanni Gazzinelli ampliou a rede científica da instituição, fomentando parâmetros internacionais de colaboração que se mantiveram ao longo do tempo. De acordo com o pesquisador, ao findar seu trabalho, “Deixei o laboratório praticamente pronto […] Recebi um laboratório de sorologia, transformei-o em laboratório de imunologia celular […]. Além disso, vários estudantes de pós-graduação que orientei foram importantes para o desenvolvimento do laboratório”.[9]

No ano de 1996 o professor Gazzinelli aposentou-se no Instituto René Rachou, mas continuou com as suas atividades como bolsista do CNPq. Em seguida ajuda a criar o “Programa de Pós-graduação em Biomedicina e Clínica Médica da Santa Casa de Belo Horizonte”.[10] Durante sua longa trajetória profissional Giovanni Gazzinelli obteve reconhecimento não apenas científico, como também pelo seu papel precursor na organização de programas de pós-graduação em Minas Gerais, como nos Departamento de Bioquímica do ICB-UFMG. Ele recebeu diversas homenagens, institucionais e de ex-alunos e orientados, o que demonstra sua influência acadêmica positiva.

Giovanni Gazzinelli é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e recebeu o título de professor emérito da UFMG no ano de 1996. Foi agraciado com diversos prêmios e medalhas, como a Comenda e a Grã Cruz da Ordem Nacional de Mérito Científico, da Presidência da República (1998), bem como a Medalha Carlos Chagas (1991) e a Medalha da Inconfidência (1994), concedidas pelo governo do estado de Minas Gerais. O Instituto René Rachou outorgou-lhe o Diploma de Honra ao Mérito; e a UFMG, nas comemorações dos 80 anos da universidade, em 2007, em sessão solene, prestou-lhe homenagem como um dos pesquisadores de destaque da instituição. No mesmo ano recebeu o título de Pesquisador Emérito da Fundação Oswaldo Cruz. Recentemente, ao completar 90 anos, em 2017, o ICB-UFMG organizou uma homenagem ao professor Gazzinelli, que contou com a presença de vários discípulos, hoje pesquisadores respeitados na área da bioquímica e da parasitologia. Seu trabalho de formação humana contribuiu para a interiorização da ciência, com destaque para a criação de um núcleo de pesquisadores da esquistossomose na cidade de Governador Valadares. Em reconhecimento pelo seu trabalho a Universidade Vale do Rio Doce (Univale-MG), conferiu-lhe o grau de professor honoris causa.

Em entrevista concedida à Virgínia Schall, em 1999, Giovanni Gazzinelli, modesto, disse que a sua carreira foi “permeada de circunstâncias favoráveis”.[11] Mas o fato é que ao longo de tantas décadas de dedicação à ciência, Giovanni Gazzinelli produziu uma quantidade impressionante de conhecimento, de altíssima qualidade e com impacto internacional. Mas a sua faceta humana, que não pode ser dimensionada por números, também se destaca como legado fundamental. No seu papel de professor e orientador ele formou uma geração de cientistas, que assim se referem ao mestre, “gratidão pelos anos de convivência, pelos ensinamentos deixados e pela importância que teve na formação ética de seus orientandos e também enquanto cientista pioneiro”.[12]

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

Coordenadores: Dr.ª Zélia Maria Profeta da Luz; Dr. Roberto Sena Rocha.

Historiadora: Dr.ª Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

Texto de: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em História

 

[1] GAZZINELLI, Giovanni. Giovanni Gazzinelli (depoimento, 2019). [Entrevista concedida a Roberto Sena Rocha e Nascha Stefania Carvalho De Ostos]. Belo Horizonte, 21 mar. 2019, 23 p..

[2] Perfil de Giovanni Gazzinelli. Academia Brasileira de Ciências. Disponível em: <http://www.abc.org.br/membro/giovanni-gazzinelli/>.

[3] Perfil de José Baeta Vianna. Academia Mineira de Medicina. Disponível em: <http://www.acadmedmg.org.br/ocupante/cadeira-55-patrono-jose-baeta-vianna/>.

[4] GAZZINELLI, Giovanni. Giovanni Gazzinelli (depoimento, 2019), ibidem.

[5] COELHO, Paulo Marcos Zech. Giovanni Gazzinelli – 90 anos. Discurso de homenagem a Giovanni Gazzinelli por ocasião dos seus 90 anos. Instituto René Rachou, Fiocruz Minas, p. 4.

[6] Idem, p. 2.

[7] FIOCRUZ. Centro de Pesquisas René Rachou – A Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: Fiocruz, 2000, p. 16.

[8] SCHALL, Virgínia. Contos de fatos. Histórias de Manguinhos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2001, p. 229.

[9] Idem, p. 229.

[10] COELHO, Paulo Marcos Zech, ibidem, p. 8.

[11] SCHALL, Virgínia, ibidem, p. 225, p. 228.

[12] ICB, UFMG. ICB celebra 90 anos do professor e pesquisador aposentado Giovanni Gazzinelli. Disponível em: <https://www.icb.ufmg.br/en/rss-noticias/1360-icb-celebra-90-anos-do-professor-e-pesquisador-aposentado-giovanni-gazzinelli>.