Em meados do século XX a fotografia já havia sido incorporada como instrumento válido e útil na prática científica. O aprimoramento da técnica fotográfica acompanhou as mudanças do paradigma científico, principalmente quanto às descobertas da microbiologia. A microfotografia se fortaleceu, então, como a técnica capaz de captar em imagem aquilo que é invisível a olho nu, exigindo “um denso conhecimento técnico de lentes e de revelação e ampliação de imagens em diversos formatos e suportes”.[i] Assim, para obtenção de fotografias de qualidade era preciso contar com a atuação de profissional dotado de experiência no campo da microfotografia, como no caso do fotógrafo Josef Wolf.
Wolf nasceu na cidade Heidelberg, Alemanha, em 1899. São poucos os dados biográficos sobre ele. Segundo o pesquisador Naftale Katz, ele imigrou para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra Mundial, vivia com uma irmã e não foi casado. A família era de posses, mas sendo judeus, teriam perdido o patrimônio em razão das perseguições nazistas e do próprio conflito bélico.[ii] O primeiro registro encontrado da trajetória profissional de Wolf, em Belo Horizonte, atesta que ele foi empregado da Casa da Lente. O estabelecimento, fundado em 1939, localizado na rua da Bahia, esquina com a Avenida Afonso Pena, era “de propriedade de Barão Hermann von Tiesenhausen que conseguiu unir em um só negócio, a prática da fotografia por profissionais, um laboratório voltado também para os amadores e a venda de materiais fotográficos”.[iii] Além disso, a loja comercializava materiais óticos, químicos e médicos.[iv]
Tendo em vista tais peculiaridades, a Casa da Lente contava com técnicos capazes de atender clientela específica, e Josef Wolf era um desses profissionais. Seu nome aparece ligado a atividades dos populares clubes de fotografia, que reuniam profissionais e amadores interessados na prática fotográfica. No ano de 1947, Josef Wolf foi mencionado como novo sócio correspondente do Foto-Cine Clube Bandeirante, existente em São Paulo.[v] Em Belo Horizonte, ele foi membro fundador e integrante do conselho técnico do Foto Clube de Minas Gerais, criado em 1951.[vi] Já nessa época ele era conhecido por colegas como “batalhador incansável na divulgação da Fotografia. […] Grande entusiasta da “miniatura”, foi quem nos descerrou a cortina desse cenário incomensurável e maravilhoso. […] franco apologista da Leica”.[vii]
O fato é que o nome de Wolf já aparece ligado à produção de fotografias científicas no ano de 1940, sendo citado nos agradecimentos de um artigo científico de autoria de J. Lopes Faria, Assistente de Anatomia Patológica e de Doenças Infecciosas e Tropicais da Universidade de Minas Gerais: “Ao Snr. J. Wolf, técnico da Casa da Lente (Belo Horizonte), que nos auxiliou na feitura das microfotografias”.[viii] Em coautoria com Lopes Faria, Josef Wolf publicou artigo científico no ano de 1940, na revista Minas Médica, intitulado “O Microscópio Eletrônico”. No trabalho, os autores narraram a história da evolução dos microscópios, com ilustrações à mão livre, explicando o funcionamento do microscópio eletrônico, “também denominado de supermicroscópio”. O mecanismo do aparelho foi detalhado, com desenhos das partes e fotografias do equipamento. O alcance da nova tecnologia abria, naquele período, muitas possibilidades de pesquisa e desenvolvimento científico: “Moléculas de dimensões maiores são visíveis, por exemplo molécula de hemoglobina de certos animais […]. Também coloides de dimensões pequenas são vistos. O fenômeno da coagulação do sangue está sendo estudado por meio do microscópio eletrônico. No campo dos “corpúsculos elementares” (vírus) fazem-se estudos com o novo aparelho”.[ix]
Supomos que o fotógrafo continuou realizando microfotografias para pesquisadores, tornando-se referência no meio médico e científico mineiro, pois em 1950 ele consta em outro agradecimento de artigo acadêmico, detalhando sua contribuição ao trabalho publicado: “[…] quero testemunhar os meus agradecimentos ao técnico da Casa da Lente, Snr. Wolf, pela orientação que me forneceu durante todo o tempo destas minhas pesquisas, não só no que diz respeito à parte fotográfica propriamente dita como também na parte relacionada ao uso e escolha dos filtros, inclusive, o fornecimento do filtro Rubim, mais corretamente usado para câmara escura, que me proporcionou, entretanto, as melhores fotografias da série”.[x] O autor do trabalho, Nereu de Almeida Junior, era Assistente da cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da U.M.G, indicando que, possivelmente, o nome do Sr. Wolf já era recomendado entre os pesquisadores da instituição.
De acordo com Katz, foi justamente pela indicação de José Pellegrino e Giorgio Schreiber, professores da referida universidade e pesquisadores do Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CPBH), que Josef Wolf foi contratado pelo diretor, Marcello Coelho, para trabalhar no Centro. O CPBH era vinculado ao Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), posteriormente renomeado como Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR). O Sr. Wolf foi incorporado como prestador de serviços eventuais em janeiro de 1964, sendo seu contrato renovado periodicamente. Nos seus dados funcionais consta que ele possuía diploma de “Especialista da Leica”, marca alemã de equipamentos óticos e fotográficos. Suas funções foram caracterizadas como: Técnico em ótica, Especialista em fotografias científicas e Técnico em Microfotografia.[xi] Katz relata que o Sr. Wolf produzia excelentes fotografias, ministrava cursos de microscopia e era grande conhecedor do campo da ótica, encontrando soluções inventivas para problemas técnicos, tendo em vista a carência de equipamentos apropriados no Instituto. Como na ocasião em que ele montou um campo escuro para auxiliar na observação de miracídios.
O Sr. Wolf trabalhou com diversos pesquisadores do hoje Instituto René Rachou, como Naftale Katz, José Pellegrino, Zigman Brener, Geraldo Chaia, Marcello Coelho, Lobato Paraense, Ernest Paulini, Roberto Milward de Andrade, dentre outros. Infelizmente, na época não era prática comum inserir o crédito do autor das fotografias que integravam os artigos científicos. As imagens produzidas por Wolf não eram mera ilustração das pesquisas, elas eram parte do trabalho, pois em conjunto com o texto passavam informações credíveis, esclareciam processos e facilitavam, pela visualização, a assimilação do conteúdo. Para produzir as imagens, o Sr. Wolf precisava dominar não apenas as técnicas da microfotografia, como compreender o elemento a ser documentado e capturá-lo com precisão. Tal habilidade mesclava o domínio da técnica com certo olhar artístico, já que a criação da fotografia também envolve escolhas e sensibilidades do autor. Questões como seleção do equipamento a ser usado (câmera, lentes, microscópios), tipo de luz adequado, foco e enquadramento, evidenciavam o conhecimento necessário para a realização de atividade tão minuciosa.
Josef Wolf era um profissional muito organizado, deixando registros do seu trabalho no Instituto René Rachou. Nos arquivos e museu da instituição constam seus cadernos de controle (onde ele anotava os trabalhos realizados para cada pesquisador), fotografias diversas e negativos dos filmes, sistematizados em categorias. As imagens registravam organismos microscópicos, insetos, cenas externas, equipamentos, etc. No acervo museológico do Instituto René Rachou também existem objetos relacionados à prática da fotografia, como máquinas fotográficas, ampliador (mesa fotográfica), tabelas de exposição de luz, sincronizador de flash, etc. Vários desses equipamentos estão vinculados ao trabalho realizado pelo Sr. Wolf.
Josef Wolf faleceu em 1973. Sua contribuição ao campo científico mineiro foi preciosa, mas infelizmente pouco creditada ao longo da sua vida. Após seu falecimento, em homenagem ao fotógrafo, seu nome foi atribuído a sala na qual ele trabalhava no IRR. Em reconhecimento pela sua carreira, Wolf foi incluído como coautor em publicação dos pesquisadores Zicker e Katz, que assim se referiram ao profissional: “Este trabalho é uma homenagem póstuma ao Sr. Josef Wolf, especialista em fotografia científica que faleceu em 9 de junho de 1973 após ter contribuído decisivamente durante muitos anos nas pesquisas científicas desenvolvidas no Centro de Pesquisas René Rachou”.[i]
Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.
Coordenador: Roberto Sena Rocha.
Texto: Natascha Stefania Carvalho De Ostos – Doutora em Historiadora
Agradecimento: Dr. Omar Carvalho e Naftale Katz, pelas informações prestadas e leitura do texto.
[1] CYTRYNOWICZ, M. M.; CYTRYNOWICZ, R. A trajetória de Lilly Ebstein Lowenstein entre Berlim e São Paulo. Cadernos De História Da Ciência, 11(2), 2015, p. 199.
[2] KATZ, Naftale. Naftale Katz (depoimento, 2019). [Entrevista concedida a Natascha Stefania Carvalho De Ostos e Roberto Sena Rocha]. Belo Horizonte, 30 out. 2019, 30 p..
[3] CAMPOS, Luana Carla Martins. “Instantes como este serão seus para sempre”: práticas e representações fotográficas em Belo Horizonte, 1894-1939. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Belo Horizonte, 2008, p. 131.
[4] BAPTISTA, Wilson – Wilson Baptista (Entrevista Temática) 2006. Belo Horizonte. Área Temática: Profissionais da Imagem e Imagens de profissionais: Fotografia e cultura urbana em Belo Horizonte (1970-1999). Entrevistadores: Maria Eliza Linhares Borges e Tibério França. Programa de História Oral. Centro de Estudos Mineiros. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais.
[5] Boletim Foto Cine-Clube Bandeirante. São Paulo, ano II, n. 13, maio de 1947, p. 12.
[6] MENEZES, Lucas Mendes. Entre apertadores de botão e aficionados – prática fotográfica amadora em belo Horizonte (1951-1966). Dissertação Mestrado em História. Niterói, UFF, 2013, p. 65, p. 87.
[7] Boletim Foto-Cine. São Paulo, ano VI, n. 65, set. 1951, p. 33.
[8] FARIA, Lopes J. De. TUBERCULOSE NÃO CASEOSA (Sarcoide de Boeck), TUBERCULOSE CASEOSA E LEPRA LEPROMATOSA. Apresentado na Sociedade de Biologia do Brasil, secção de Minas Gerais, 13 ago. 1942, p. 411.
[9] FARIA, Lopes J. De; WOLF, J. O Microscópio eletrônico. Minas Médica, maio/jun. 1940, p. 268-274, p. 270, p. 274.
[10] ALMEIDA JUNIOR, Nereu de. A visualização das veias da circulação colateral superficial do abdômen pelo emprego de filmes e filtros vermelhos. Anais da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, ano II, 1950, p. 64.
[11] FIOCRUZ MINAS. Ficha funcional de Josef Wolf. Documento interno.
[12] ZICKER, Fábio; KATZ, Naftale; WOLF, Josef. Avaliação do teste de eclosão de miracídeos na esquistossomose mansônica. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 19(3), maio/jun. 1977, p. 206.