Câncer de mama: estudo mostra que células de defesa podem ser reprogramadas para combater o tumor

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Tratamentos que estimulam o sistema imunológico a combater o câncer vêm sendo o foco de estudos científicos no mundo inteiro. Na Fiocruz Minas, uma equipe de pesquisadores mostrou que é possível impedir o crescimento de tumores malignos de mama, por meio da alteração do perfil de um dos tipos de célula de defesa do organismo, os macrófagos, usando nanopartículas de óxido de ferro. O estudo foi publicado recentemente no International Journal of Pharmaceutics.

Segundo os pesquisadores, cerca de 50% da massa tumoral é composta por macrófagos e, por isso, as atividades dessas células influenciam diretamente no prognóstico do câncer.  Há dois tipos principais de macrófagos: M2, com características mais anti-inflamatórias, geralmente relacionados com maior permissividade tumoral; e M1, que são pró-inflamatórios e mais eficazes em limitar a progressão do tumor. Assim, a proposta dos pesquisadores foi reprogramar o perfil dos macrófagos M2 no ambiente tumoral, transformando-os em M1, de forma a inibir o desenvolvimento do tumor.

“Por meio de uma ampla revisão da literatura sobre o tema, vimos que as nanopartículas de óxido de ferro tinham potencial para atuar na reprogramação do fenótipo de macrófagos. Então, a ideia foi transformar M2 em M1, por meio de tratamento local, realizado diretamente no tumor, o que permitiu um controle maior em relação a intervenções sistêmicas”, explica a pós-doutoranda do grupo de Imunologia Celular e Molecular Camila Sales Nascimento, que esteve à frente do projeto.

As nanopartículas de óxido de ferro usadas no estudo foram produzidas nos laboratórios da Fiocruz Minas, por meio de uma parceria com o Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco, que desenvolveu, originalmente, o composto magnético. As nanopartículas são biocompatíveis, ou seja, têm baixa toxidade para as células saudáveis, além de baixo custo e síntese rápida, o que facilita a produção em escala.

Metodologia: Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram três experimentos: in vitro em duas dimensões (2D); in vivo, usando camundongos de laboratório; e in vitro em três dimensões (3D). No primeiro experimento, os cientistas usaram um sistema artificial especial para colocar células tumorais de mama em contato com os macrófagos. Ao incubar as duas células, verificou-se que as tumorais se multiplicavam. Posteriormente, a equipe introduziu as nanopartículas e constatou que as células tumorais morriam.

Com esses resultados, os pesquisadores passaram para o segundo experimento, realizado em camundongos.  Foram injetados nos animais células tumorais e as nanopartículas, deixando-os em observação por 21 dias. No final desse período, a equipe constatou uma redução de quase 50% na massa tumoral dos camundongos expostos à nanopartícula em comparação aos animais que não receberam o tratamento.

O terceiro experimento, o modelo tridimensional multicelular, simulou o microambiente tumoral, por possibilitar colocar em contato, além das células tumorais e os macrófagos, outras células do organismo humano. Mais uma vez, os resultados foram confirmados, ocorrendo a transformação de M2 em M1, por meio das nanopartículas. Para a realização dessa fase, a pós-doutoranda passou um período na Universidade do Porto, em Portugal, que já fazia esse tipo de teste. Agora, a técnica está sendo implementada na Fiocruz Minas.

Para o líder do grupo de Imunologia Celular e Molecular e coordenador do projeto, Carlos Eduardo Calzavara, os resultados abrem possibilidades para novas pesquisas que, futuramente, poderão permitir o surgimento de estratégias complementares ao tratamento do câncer de mama.

“O estudo é um ponto de partida. Ainda são necessárias novas pesquisas voltadas para farmacodinâmica e farmacocinética para avaliar uma série de questões relevantes, como os efeitos fisiológicos, os mecanismos de ação, os efeitos colaterais, o tempo de absorção do fármaco, a biodistribuição no organismo, entre outros aspectos. Mas a prova de conceito nós já temos, o que é muito importante”, destaca o coordenador.

Calzavara ressalta ainda que o sucesso do projeto é fruto do esforço da pós-doutoranda, que, durante quatro anos, se debruçou sobre o tema, mas também se deve a um trabalho coletivo, que contou com a colaboração de muitas pessoas da Fiocruz e também de outras instituições.

“Tivemos a parceria do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco, por meio do professor Celso Melo, do Dr. Bruno Sarmento; do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, e de várias pessoas do nosso grupo de pesquisa e de outras áreas da instituição, em especial a Dra. Érica Alves e a Dra. Anna Lage. É esse trabalho em equipe que permitiu um estudo tão bem-sucedido, que esperamos possa ter novos desdobramentos”, afirma.