Pesquisa avalia saúde da população de Brumadinho após rompimento da barragem da Vale

Brumadinho

Pesquisadores da Fiocruz Minas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apresentaram, nessa quinta-feira (7), os resultados da primeira etapa do estudo que avalia as condições de vida, saúde e trabalho, além das demandas para os serviços de saúde, da população de Brumadinho, após o desastre causado pelo rompimento da barragem da Mineradora Vale, em janeiro de 2019.  Um dos aspectos avaliados na pesquisa é o perfil de exposição a metais do município. A dosagem de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês foi verificada por meio de exames de sangue e/ou urina.

 Os resultados mostraram que, entre os adolescentes, alguns metais estão acima dos limites de referência, em todo município, com destaque para arsênio total na urina (28,9% com mais de 10 μg/g creatinina), manganês no sangue (52,3% com mais de 15 μg/L) e chumbo no sangue (12,2% com mais de10 μg/dL). Nos adultos, elevadas proporções de níveis aumentados de arsênio total na urina (33,7%) e de manganês no sangue (37,0%) foram observadas, sem diferenças importantes quanto ao local de residência.

As crianças de 0 a 6 anos de idade também foram avaliadas em relação à dosagem de metais presente no organismo, por meio de exames de urina. Do total de amostras coletadas, 172 foram consideradas válidas para análise. Os resultados mostraram que, em todas elas, foi detectada a presença de pelo menos um dos cinco metais em avaliação. As análises também apontaram que 50,6% das amostras urinárias apresentaram pelo menos um metal acima do valor de referência. O arsênio foi encontrado acima do valor de referência em 41,9% das amostras analisadas e o chumbo em 13% delas.

Outro ponto analisado se refere às condições de saúde da população, baseando-se em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios participantes. Nesse aspecto, chama atenção a referência a problemas respiratórios. Entre os adolescentes, quando perguntados se já haviam recebido diagnósticos médicos de doenças crônicas, as respostas mais frequentes foram asma ou bronquite asmática, mencionadas por 12,3% dos entrevistados. Mas esse percentual é maior entre os moradores de algumas regiões, chegando a 23,8% entre os residentes do Parque da Cachoeira e 17,1% entre os que vivem no Córrego do Feijão, regiões diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos. Pneumonia foi citada por 10,9% dos adolescentes, mas, entre aqueles que moram no Pires, região banhada pelo Rio Paraopeba que foi atingido pela lama, esse percentual foi de 16,7%.

Na população adulta, quando perguntada se algum médico já havia feito o diagnóstico de doenças crônicas, as mais citadas foram hipertensão (30,1%), colesterol alto (23,1%) e problema crônico de coluna (21,1%), com pequenas variações entre as regiões. O diabetes foi prevalente em 9,8% da população adulta. Esse resultado mostra estimativas maiores que as encontradas na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2019, que estudou a população do país com 18 anos ou mais  e verificou hipertensão em 23,9% dos brasileiros, colesterol alto em 14,6% e diabetes em 7,7%.

A pesquisa investigou também a presença de sintomas e outros sinais nos 30 dias anteriores à entrevista. Os adolescentes relataram, com mais frequência, irritação nasal (29,7%), tosse seca (21,4%), dormências ou cãibras (19,5%) e tontura ou desmaio (18,4%).  Nos adultos, predominaram praticamente os mesmos relatos dos adolescentes, com algumas variações: irritação nasal (31,6%), dormências ou cãibras (25,8%), tosse seca (23,8%) e coceira na pele (18,4%). De modo geral, em ambos os públicos, esses sintomas foram mais frequentes entre os moradores do Parque da Cachoeira, Córrego do Feijão e Pires.

Em relação às crianças, 49% dos responsáveis observaram alterações na saúde dos seus filhos após o desastre. Os principais problemas de saúde apontados referem-se ao sistema respiratório e alterações na pele. O relato de alergia respiratória em Parque da Cachoeira, localidade diretamente atingida pelo desastre, foi quatro vezes mais frequente do que os referidos em Aranha – região mais distante da área atingida. Nas localidades com maior exposição a poeiras da mineração, Parque da Cachoeira e Tejuco, os relatos de infecção da pele foram três vezes mais frequentes do que em Aranha.

“Os resultados sobre o diagnóstico médico de doenças crônicas, bem como sobre sinais e sintomas, demonstram uma elevada carga dessas condições para a população de Brumadinho, podendo refletir na procura por serviços de saúde. Dessa forma, é importante que se tenham ações para acompanhamento dos fatores de risco cardiovascular e doenças respiratórias, além de ações de promoção da saúde. Os resultados também mostram a necessidade de ter um olhar mais atento para as regiões com maiores percentuais dessas questões de saúde, que podem estar relacionadas às condições ambientais, como água e ar, e que precisam ser melhor investigadas”, destaca o pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.

Saúde mental

A avaliação da saúde mental incluiu perguntas sobre o diagnóstico médico de algumas condições. Entre os adultos, quando perguntados sobre diagnóstico para depressão, o percentual foi de 22,5%, número superior aos 10,2% relatados pela população adulta brasileira durante a PNS de 2019. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 33,4% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade. Nos adolescentes, 10,4% relataram diagnóstico médico de depressão e 20,1% de ansiedade.

Ainda para avaliar a saúde mental, os pesquisadores aplicaram as escalas Patient Health Questionnaire-9-PHQ-9 General Anxiety Disorder -GAD7, que incluem perguntas sobre alguns sentimentos e sintomas e demonstram que o participante pode apresentar quadro depressivo ou de ansiedade, mas não é considerado um diagnóstico clínico para essas condições.

A aplicação das escalas no público com mais de 18 anos mostrou que 29,4% apresentavam episódio depressivo e 19,2% transtorno de ansiedade. Entre os adolescentes, a aplicação das escalas mostrou prevalências de 28,2% para episódio depressivo e 15,6% para transtorno de ansiedade. A dificuldade para dormir três ou mais vezes por semana foi reportada por 27,2% da população adulta de Brumadinho e por 19,4% dos adolescentes. Os que consideram sua qualidade de sono como ruim ou péssima são 19,2% entre os adultos e 9,6% entre os adolescentes.

“Mais uma vez, constatamos que, embora o percentual de relatos relacionados a transtornos mentais tenha sido elevado em todo o município, essa proporção para algumas condições foi ainda maior entre os moradores de Tejuco, Parque das Cachoeiras e Pires, com pequenas variações entre os grupos de idade avaliados. Ações para disponibilidade de serviços especializados, acompanhamento dessa população e ações para melhorias das condições de vida e saúde podem favorecer o enfrentamento desse quadro”, afirma o pesquisador.

O estudo ressalta que a realização de consultas médicas em 2021 foi elevada no município de Brumadinho, tendo sido ainda maior nas regiões diretamente expostas ao desastre – sobretudo Parque das Cachoeiras e Pires, e, em Tejuco – onde existe atividade de mineração. Essa situação pode ser resultado de um maior número de relatos de sinais e sintomas, assim como na maior prevalência de transtorno depressivo e ansiedade nessas regiões.

Quanto à essa questão, o estudo destaca que, diante da necessidade de procurar algum serviço de saúde, a maioria dos entrevistados citou o SUS como sua referência. Cerca de 60% dos adultos declararam ter um profissional ou serviço que costumam procurar quando estão doentes ou precisam de orientação, sendo as equipes da Atenção Primária à Saúde (APS) as mais ocuradas (55,1%). Entre os adolescentes, 46% têm esse tipo de referência, sendo que, para 62,2%, esses profissionais procurados atuam na APS.

O  estudo

O estudo, que é longitudinal, também visa detectar as mudanças ocorridas nessas condições ao longo do tempo. Com esse objetiv, os participantes serão acompanhados a cada ano. A primeira etapa, recém-concluída, teve início em julho de 2021. Outras três já estão previstas para 2022, 2023 e 2024.

Intitulado Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, a pesquisa é desenvolvida em duas frentes de trabalho: uma com foco na população com idade acima de 12 anos, chamada Saúde Brumadinho, e outra voltada para as crianças de 0 a 6 anos de idade, que recebeu o nome de Projeto Bruminha.  Ao todo, são 3.297 participantes, sendo 217 crianças, 275 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, e 2.805 adultos com mais de 18 anos.

Ao compor a amostra, os pesquisadores buscaram cobrir toda a extensão territorial do município. Para avaliar algumas localidades de forma mais específica, a amostra foi segmentada em três regiões geográficas, incluindo as áreas diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos; a região de moradores em área com atividade de mineração, mas não atingida pela lama; e a parcela considerada como não exposta diretamente ao rompimento da barragem ou à atividade mineradora, constituída aleatoriamente pelo restante do município.

A pesquisa se baseia em duas fontes de dados: exames de sangue e/ou urina, feitos por todos os participantes, visando verificar a dosagem de metais no organismo, além de entrevistas que avaliam uma série de aspectos relacionados à saúde. O Projeto Saúde Brumadinho, voltado para adultos e adolescentes, investiga condições e comportamentos em saúde, perfil sociodemográfico, contato com água e lama, frequência à escola e história ocupacional, entre outros pontos, que permitem traçar um cenário bastante completo sobre a situação atual da saúde no município.

Já o Projeto Bruminha verifica, além da dosagem de metais, o processo de crescimento e desenvolvimento neurológico e respiratório das crianças. Os dados resultantes de toda a pesquisa poderão nortear a estruturação dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a atender às demandas de atendimento da população.

Segundo os pesquisadores, os resultados encontrados permitem avaliar uma exposição aos metais e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e realização de outros exames para definir o diagnóstico. Dessa forma, recomenda-se uma avaliação médica para todos os participantes da pesquisa que apresentaram níveis acima dos limites biológicos recomendados, de forma que os resultados sejam analisados no contexto geral da sua saúde.

Eles ressaltam que, para esse acompanhamento, é necessária uma rede de atenção que permita realização de exames de dosagem desses metais, não apenas na população identificada pelo projeto, mas para atender outras demandas do município. Além disso, como os resultados indicam uma exposição aos metais analisados, a atuação da vigilância em saúde para detecção das possíveis fontes de exposição, os pesquisadores afirmam que essa iniciativa é de fundamental importância a fim de  guiar as ações a serem adotadas para que essas exposições sejam minimizadas.

Projeto Bruminha

Os pesquisadores recomendam avaliação clínica e acompanhamento das crianças nas Unidades Básicas de Saúde de referência, assim como a investigação das possíveis fontes de exposição ao arsênio e chumbo, como, por exemplo, as fontes de consumo de água, poeira domiciliar, entre outras. Também é indicada a realização de exame de sangue para a dosagem de chumbo nas crianças, que apresentaram concentrações urinárias acima do valor de referência, que pode oferecer mais precisão para mensurar os níveis desse metal.

As crianças tforam avaliadas ainda em relação ao desenvolvimento neurológico, por meio da aplicação do Teste de Denver II. As análises apontaram que 57,5% das crianças alcançaram as habilidades esperadas para a sua idade. Para 42,5%, o resultado foi considerado de risco, já que, no momento da avaliação, as crianças ainda não haviam desenvolvido a(s) habilidade(s) esperada(s) para sua faixa etária. De acordo com os pesquisadores, não se observa associação entre as concentrações urinárias dos metais analisados com o risco de atraso no desenvolvimento neurológico avaliado por esse teste.

O Projeto Bruminha avaliou ainda o crescimento pôndero-estatural das crianças, que considera a estatura, o peso e o índice de massa corporal. De acordo com os resultados, 79,5% das crianças apresentaram Índice de Massa Corporal (IMC) normal. Já o sobrepeso (IMC > 25) foi detectado em 5%, e a obesidade (IMC > 30) em 10,2% das crianças avaliadas.

Retorno à população

Os resultados dos exames de sangue e/ou urina foram encaminhados a todos os participantes do estudo e, no caso dos menores de idade, enviados aos seus responsáveis. Tal procedimento segue as orientações do Comitês de Ética em Pesquisa da Fiocruz Minas e da UFRJ, que aprovaram o estudo que determina que os participantes sejam informados, tão logo sejam liberados os resultados. Além disso, a equipe responsável pela pesquisa promoveu um seminário para apresentar à população os principais dados resultantes da investigação e esclarecer dúvidas dos moradores.

Os pesquisadores também apresentaram os dados gerados pelo estudo à Secretaria Municipal de Saúde de Brumadinho, à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, ao Ministério da Saúde e ao Conselho Municipal de Saúde.

O Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho é financiado pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde  (Decit/SCTIE/MS). Os relatórios completos dos Projetos Saúde Brumadinho e Bruminha, apresentando todas as análises realizadas, estão disponíveis no site da Fiocruz Minas.

Relatório: Projeto Saúde Brumadinho

Relatório: Projeto Bruminha